Ser discípulo: lições e implicações (Parte 1)

(Por Gabriel Felipe M. Rocha)

 

[…] Ninguém que, tendo posto a mão no arado, olha para trás é apto para o reino de Deus (Lucas 9: 62)

 

No capítulo 9 (versos 57- 62) do Evangelho segundo Lucas, há um importante ensinamento para quem pretende ser discípulo de Jesus. Daremos ênfase, portanto, ao verso 62. No entanto, caberá aqui uma breve abordagem do capítulo 9.

Interessante que, em todo o capítulo 9, há uma bela sequência de ensinamentos que remetem à prática do discipulado. Creio que o último versículo do capítulo 9 (v. 62), onde Cristo chama a atenção para o exemplo do arado e da firme adesão e decisão em relação ao serviço do Evangelho, é um relevante fechamento de toda essa sequência de ensinamentos.

Nos primeiros versículos, onde houve a convocação dos doze para uma missão específica, Jesus deixa alguns ensinamentos práticos para seus discípulos, incluindo, os doze discípulos principais.

Ocorreu, então, um trabalho de campo (v. 1-6), onde Jesus ensinou que:

  1. É Ele quem convoca (v.1), sendo Deus quem nos chama;
  2. É Ele quem nos capacita para o trabalho, concedendo-nos poder, talentos e dons (v.1);
  3. É Ele quem nos envia e dá total condição para o cumprimento do serviço (v.2, 3);
  4. É nele que devemos colocar nossa confiança e não em nossos próprios recursos (v.3);
  5. E, por fim, nós devemos fazer tudo conforme suas ordens e sua Palavra (v. 4-6).

Houve também a multiplicação dos pães e peixes (v. 10-17). Foi essa a primeira multiplicação. O interessante nessa multiplicação é o fato de, a mesma ter como objetivo não só a simples alimentação da multidão ou a mera apresentação de poderes por Jesus Cristo. Não foi a experiência do milagre a única proposta da multiplicação, mas sim a prática do discipulado. Aliás, experiências que não geram ação, são experimentalismos vazios. Evangelho é ação! Ser discípulo é aprender e agir conforme quer o Mestre. Creio que dois versículos demonstram com mais veemência o que quero dizer. Esses são: “[…] Dai-lhes vós mesmos de comer” (v.13) e, “[…] abençoou e partiu e deu aos seus discípulos para que distribuíssem entre o povo” (v.16). Eles viram o milagre. Mas, eles puderam participar do milagre. Aí residia o ensinamento.

Primeiro: Jesus sabia da condição de seus doze discípulos, assim como sabia que eles não tinham alimentos suficientes para alimentar uma multidão. Mas, quando Jesus pede para que eles mesmos dessem ao povo algo para comer, queria testá-los e chamar a atenção dos mesmos (e também nossa) para a seguinte reflexão:

a) Não temos recurso algum para alimentar todo esse povo;

b) Nada podemos fazer se Deus não for conosco e operar um milagre;

c) O alimento que pode saciar o povo, não vem de nós, mas vem de Deus;

d) Contudo, podemos participar desse milagre, em obediência, distribuindo ao povo aquilo que vem de Deus. Esse é o nosso trabalho e a nossa missão! Fazer a vontade de Cristo é a nossa missão;

e) De nossos poucos recursos, Deus ampliou e multiplicou, dando-nos condição de fazer aquilo que Ele pediu e nos comissionou. Portanto, é a partir de nós mesmos que a missão será cumprida, sendo de Deus a provisão.

f) Nossa missão deve ser realizada em meio ao povo, em meio à multidão e não distante deles. Cabe a nós distribuir o alimento que vem de Deus e não deixá-los famintos.

Portanto, meus queridos leitores, mais um ensinamento, relacionado à prática do discipulado se apresenta a nós em total relevância.

Outro fato pertinente ao aprendizado dos discípulos ocorre logo após o milagre da multiplicação, a saber: a confissão de Pedro (v. 18 – 20).

Os discípulos estavam já envolvidos com o ministério de Jesus. Já haviam visto muitos milagres e ouvido muitos sermões e parábolas. Mas não tinham, porém, uma visão completa de quem era Jesus, ou seja, desconheciam a profundidade e o caráter profético do ministério de Jesus Cristo sobre a terra; eles desconheciam a divindade daquele Jesus. Para muitos deles, Jesus era o homem, o profeta e aquele que operava muitos milagres.  Alguns até o trataram como o Messias (Jo 1: 41), mas ainda desconheciam a grandeza de propósito da sua vinda. Tanto que, na resposta que Pedro deu sobre quem é o Cristo (v.20), tendo ele recebido do próprio Deus tal revelação (Mt 16: 17), Jesus destacou a bem-aventurança de Pedro, dando a entender com clareza que, em detrimento dos outros discípulos, Pedro alcançara algo espiritualmente profundo. Algo que os colegas ainda não haviam recebido, tampouco entendido.  Uma lição que temos a partir disso é a seguinte:

  • Muitos estão nas igrejas, até fazem parte de algum ministério em suas igrejas locais, mas ainda não conheceram com profundidade o Cristo a fim de fazerem a sua vontade. Em seus corações não houve ainda a real conversão e o efetivo conhecimento de Jesus como o Filho de Deus, o Cristo que é Senhor e que pode salvar;
  • O discípulo é aquele que conhece o seu Senhor e que recebeu em seu coração a revelação de Jesus Cristo pela pregação da Palavra e pela fé;
  • Não pode haver um trabalho evangélico eficaz se aquele que se diz servo não conhecer o seu Senhor e não ser participante dos mistérios de seu Senhor;
  • Na ocasião da revelação dada a Pedro sobre quem era o Cristo, o mistério ainda estava oculto aos santos, mas foi revelado após a ressurreição e pentecostes. (Jo 21: 1; At 1: 6-8; Cl 1: 26; Cl 2: 2,3). Além do mais, a Igreja tem hoje a Escritura que é a revelação especial dos mistérios de Deus, sendo ela a revelação de Jesus Cristo (Jo 5: 39; At 17: 11; 2 Tm 3: 16).

Tendo, portanto, conhecido o seu Senhor, o bom discípulo está apto para servi-lo.

Continua na próxima postagem.

Pensai nas coisas que são de cima!

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Tema: A mente firme em Cristo para uma vida abundante, frutífera e agradável a Deus. Texto base: Colossenses 3: 1-10;

Textos auxiliares: Cl 1: 10-14; 1: 21-23; 2: 6-12; 6: 18/ Fp 4: 8; Gabriel F. M. Rocha/ março de 2015.

Introdução: Nosso tempo assiste a um gradativo esmaecer de alguns valores morais que antes se firmaram em vista de uma verdade absoluta e de um sentido. Junto do esmaecer dos bons paradigmas que regiam a forma de vida e conduta dos indivíduos há algum tempo atrás, percebe-se cada vez mais acentuada a fragmentação, também, dos valores cristãos em muitas sociedades. Essa fragmentação faz com que o pecado pareça cada vez mais “normal” e “natural” em nossa sociedade. De certo, a humanidade está corrompida desde o pecado de nossos pais no Édem e, a partir de então, afastada está de Deus (Rm 3: 23). Sendo assim, não se podia mesmo esperar do mundo uma postura que agrade a Deus. Impossível! Há uma humanidade escrava do pecado e totalmente inclinada para o mal. Contudo, muitos valores morais um dia foram construídos em parcial conformidade com a vontade de Deus, considerando a existência de um Ser Transcendente e Absoluto. Um exemplo específico disso é o fato de haver, embora criticado hoje por alguns, um modelo de casamento e família em total correspondência com os valores cristãos. Poderíamos citar aqui vários outros exemplos na filosofia clássica e medieval, mas não vem ao caso.

A questão é: o mundo caminha para a sua condenação e o homem sem Deus, se inclina cada vez mais para o mal (1Jo: 19) . Se as verdades concernentes a Deus e a boa conduta em conformidade com o mesmo Deus vão sendo esquecidas, várias “verdades” e formas de vida virão como paradigmas nessa complexa esfera cultural de nosso tempo e esses modelos de crença, conduta, ou o próprio niilismo que se instaura, vão se esforçar ao máximo para entrar nas igrejas, nos lares e na mente dos cristãos. Essa fragmentação – ou mesmo o abandono – dos valores propriamente cristãos que atravessam os séculos (desde o advento da modernidade) se dá, principalmente, em sociedades que antes o Evangelho foi pregado com notável poder e de forma triunfante. Relevantes homens foram usados por Deus. Homens que negaram suas vidas e aceitaram o martírio, provando por seus testemunhos pessoais e em praças públicas o que de fato é carregar a cruz de Cristo e morrer nela. Na modernidade, através da confiança depositada na razão, na racionalidade instrumental e na ciência como capazes de conferir sentido, dar respostas e dirigir a vida humana, o mundo, enfim, declarou sua inimizade com Deus, abandonando qualquer princípio que viesse sugerir uma fé e a existência de um Deus Verdadeiro, Absoluto e Bom. E agora, no seio da pós-modernidade, vemos esse alvoroço todo. Há uma crise de sentido. Muitos assumiram a postura de inimigos de Deus, sendo totalmente afastados da luz e amantes das trevas. Homens sem rumo e sem escrúpulos. O individualismo tomou conta de nossas sociedades.

O consumismo vem ditar quem nós somos e quem devemos nos tornar; o homem busca sua auto-realização na esfera do material, do financeiro, mergulhado num hedonismo sem limites. O indivíduo pós-moderno se vê arrastado pela incessante busca por satisfação de suas carências e necessidades, pois é essa imagem de humanidade que se constrói em nosso tempo, a saber: a imagem do indivíduo que precisa se preencher (preencher o seu vazio existencial), adquirir, possuir, assumindo, então, cada vez mais sua postura como ser mundano, totalmente imanentizado e afastado da Verdade. A verdade torna-se relativa, sendo a verdade da ciência, uma verdade mutável. O verdadeiro de hoje não é mais verdadeiro amanhã. Isso, de acordo com os avanços prodigiosos da ciência. Avanços que têm, porém, esquecido a vida propriamente humana.

Avanços, possibilidades e formatações que enxergam o homem como animal estruturalmente natural, sem espírito, sem alma e sem qualquer valor e qualidade que venha sugerir uma dignidade essencial para além do corpo, das necessidades físicas e do utilitarismo. Esse é o mundo. Não é, portanto, o nosso mundo (1 Jo 4: 4, 5; 5: 4, 5)! Se Jesus venceu o mundo, nós podemos vencer o mundanismo se nossa mente for como a de Cristo. Sim! Para nós que professamos a fé em Cristo, esse não é mais nosso mundo. Estamos nele. Participamos dele. Temos uma missão nele. Ele é o nosso campo de atuação para o bom serviço do Evangelho. Mas não pertencemos e não devemos jamais tomar a forma dele. Como Paulo mesmo disse em sua carta aos Romanos, “não vos conformeis com esse século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Rm 12: 2). Nossa mente deve estar firmada nas coisas do alto, pois foi renovada em Cristo para a glória de Deus.

Portanto, devemos andar conforme Deus, a fim de agradá-lo e não conforme o mundo, sendo o mundo feito inimigo de Deus. Somos livres em Cristo. Livres para vivermos conforme Deus. Mas, em detrimento disso, a proposta pós-moderna tem invadido muitas igrejas. Pode até ser aceita (como algo imbatível) a corrupção do mundo, uma vez que a Bíblia não nos engana sobre o destino do mundo e sobre o pecado. Mas o que causa espanto não é a corrupção que há no mundo, mas sim a corrupção que entra nas igrejas ditas cristãs e nas vidas dos que se dizem crentes. Muitos falsos líderes tem se levantado com idéias, supostas novas revelações e ensinando doutrinas de demônio e permitindo liberalmente a entrada de muitos pecados dentro de suas congregações (1 Jo 2: 18,19). A imagem de Cristo tem se desbotado nos corações de muitos que se um dia professaram a fé em Cristo. Muitos têm caído na graça. Alguns caíram totalmente da graça, pois dela nunca fizeram e nem farão parte, mas muitos crentes genuínos deixaram-se envolver com os ditames diabólicos desse mundo e aceitaram o pecado dentro de seus corações e lares. Os argumentos segundo o mundo estão ficando cada vez mais fortes e convincentes para os que não se firmaram totalmente em Cristo.

Falei das sociedades que antes levantaram com fervor a bandeira do Evangelho. Pois é! Muitas perderam o foco. Muitas deixaram as vãs sutilezas e filosofias entrarem deturpando a mensagem e a imagem de nosso Senhor. Muitas abandonaram a fé. Muitas igrejas têm fechado suas portas na Europa. Não sei se isso mexe com você, mas me entristeço inconformadamente com essa situação.  Nos EUA mesmo, a situação também se torna crítica e digna de nota. Muitas igrejas (de bons nomes, inclusive), perderam completamente o norte e estão deixando entrar tão livremente o pecado, tomando assim, a forma desse mundo. Deixando-se levar pelo argumento demoníaco do casamento homo afetivo, pela ausência de luta em favor dos casamentos que se destroem, pela naturalização do divórcio, pela aceitação do aborto, pela juventude que se afasta de Deus, pela falta de doutrina bíblica, pelos ventos doutrinários que mancham a fé, etc. Aqui no Brasil, por sua vez, a ortodoxia muitas vezes não caminha lado a lado com a ortopraxia em alguns grupos de memoráveis nomes e, quando a ortopraxia se vê de modo dinâmico e atuante em algumas igrejas de rótulo pentecostal, a Sã Doutrina perde lugar para o experimentalismo estranho e para as tantas heresias que emergem dentre os neopentecostais.

Ah! São muitas coisas mesmo! Se a mente não estiver em Cristo, tão facilmente se perde o rumo. Muitas novelas, séries, filmes e outras mídias tentam ensinar e ditar (quase autoritariamente) o pecado como forma de vida e tem conseguido influenciar nosso povo com o argumento de que somos antiquados, que nossa fé é fundamentalista, que estamos ultrapassados pelas razões científicas e filosóficas, etc. Os jovens têm em mãos algumas ferramentas que os mantém informados de toda e qualquer novidade e muitos filhos de crentes se perdem nesse viés. A mídia é boa, a internet é boa, tudo pode ser bom se a mente estiver firme em Cristo e a vida estiver depositada em Deus. Também, muitas “novas didáticas” apresentam seus novos modelos de família; a relativização da verdade e a relativização do pecado; desconhecimento e plena ignorância bíblica entre os cristãos; ausência notável de uma vida piedosa entre os que professam a Cristo, etc. Tudo isso vai colocando muitos crentes no cativeiro e na vida cristã estática e infrutífera.  Isso é sério! Enquanto os cristãos no Oriente Médio e em alguns lugares na África estão sendo perseguidos, mortos e vendo suas famílias desfeitas pela desgraça denominada de “Estado Islâmico”, muitos – aqui no Ocidente – estão passivamente cedendo e permitindo o  mal criar suas raízes, vivendo um cristianismo desfigurado. Estão errando o alvo. Estão perdendo o foco. Estão olhando para baixo e não para o alto. Não sabem mais, nesse pluralismo todo, para quem olhar.

  1. Entrando em Colossenses (breve abordagem dos capítulos 1 e 2):

O apóstolo Paulo, ao escrever sua carta à igreja de Colosso, quis exatamente advertir os crentes quanto aos ensinos falsos e mundanos que estavam entrando na igreja, suplantando a fé e também a centralidade e supremacia de Jesus Cristo na criação, na revelação, na redenção e na igreja. O apóstolo também quis ressaltar a verdadeira natureza da nova vida em Cristo e suas exigências para o crente. Embora se trate de contextos diferentes, o contexto do ministério paulino, assim como todo o contexto do primeiro século da era cristã foi marcado por uma chuva de heresias, legalismo, religiosidade e vãs filosofias que surgiam no meio do povo de Deus. A diferença para nossos dias, é que as mesmas coisas, os mesmos pecados se tornaram ainda maiores e afetaram todas as áreas da vida humana num tempo diversificado e mais complexo.

O apóstolo João mesmo, em sua primeira carta, faz a advertência: “Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes provai os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora. […] e todo espírito que não confessa a Jesus não procede de Deus […]” (1 Jo 4: 1 e 3). Segundo Paulo, eram muitas “filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo e não segundo Cristo” (2: 8) que estavam ameaçando o real entendimento da igreja sobre a divindade de nosso Senhor e também afetando a postura em relação à Verdade. Junto dos maus ensinos, dos maus exemplos, das filosofias e ventos de doutrina, estava o legalismo judaizante que, assim como fora também entre os gálatas e outras comunidades, disputava entre os crentes a primazia da fé em detrimento do Evangelho da graça. O mundo é inimigo de Cristo e da igreja (Jo 15: 18,19). Sendo assim, os ditames do mundo sempre vão ter por intento destruir a imagem divina, santa e verdadeira de Cristo por meio do pluralismo de conceitos e pela relativização da fé e da vida cristã. Eis a astúcia-mor do adversário de nossas almas: fazer com que Cristo não seja contemplado por nossos olhos. Por isso, Cristo – em sua oração sacerdotal – foi tão enfático quando disse:

“É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste […]. Já não estou no mundo, mas eles continuam no mundo […]” (Jo 17: 9 e 11).

No mesmo sentido de exortação e desejo de ver guardadas as ovelhas de Cristo, Paulo faz sua admoestação à igreja. No capítulo 1(versículo 10 ao versículo 14), ele, tão logo, chama a atenção para que a igreja assuma uma vida digna diante do Senhor, procurando agradar a Deus em tudo, frutificando em toda boa obra e crescendo no conhecimento de Deus (v.10). Essa exortação para que venhamos assumir essas qualidades se dá com base na seguinte verdade: Deus já “nos libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do Filho do seu amor, no qual temos a redenção, a remissão dos pecados” (1: 13). Somos, portanto, reconciliados com Deus em Cristo pelo sangue da cruz (1: 20), feitos inculpáveis, santos e irrepreensíveis. Por isso, devemos tão logo assumir tais qualidades, pois o poder do sacrifício de Jesus Cristo nos garante eficazmente essa transformação pessoal pelo auxílio e obra do Espírito Santo. Outra verdade que pode ser extraída desse contexto é a seguinte: se sua mente não está firme em Cristo e você ainda não provou da transformação pessoal em Cristo, amando o pecado, agradando a si próprio e plenamente conformado com esse mundo, a notícia para você é esta: você não tem a mente em Cristo e não pode pensar sobre as coisas do alto, pois você não se converteu ainda de seus pecados e não faz parte do rebanho de Cristo, a não ser que se arrependa e almeje viver para Deus, conforme Deus, firme em Cristo e transformado pelo Espírito Santo para uma vida santa e justa. Quanto a nós, devemos, então, permanecer na fé, alicerçados e firmes, não nos deixando afastar da esperança do Evangelho que ouvimos e aprendemos (1: 22, 23). Dessa forma, amados irmãos, não podemos – de forma alguma aceitar o mal, fazer vista grossa ao pecado (seja nosso, seja do irmão) e deixar com que as vãs filosofias e heresias adentrem nossas congregações e os maus costumes, as nossas casas.

Em Romanos 6: 12., Paulo faz a seguinte admoestação: “Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, de maneira que obedeçais às suas paixões; nem ofereçais cada um os membros do seu corpo ao pecado, como instrumentos de iniqüidade; mas oferecei-vos a Deus, como ressurretos dentre os mortos, e os vossos membros, a Deus, como instrumentos de justiça. porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estão debaixo da lei, mas da graça” (Rm 6: 12- 14). Nos versículos posteriores, Paulo adverte ainda sobre a postura cristã em conformidade com a vontade de Deus e deixa a seguinte afirmação: Deus – por sua graça – foi quem nos fez idôneos, afim que sejamos livres do “império das trevas” (v. 13), pois temos a redenção e a remissão dos pecados pelo sangue de Jesus. Ou seja: somos livres em Cristo para andar conforme quer Cristo. A princípio parece não haver liberdade nisso, mas no decorrer deste texto, veremos que sim. Há liberdade em Cristo e somos livres quando nossa vida é mortificada na carne e ressurreta em espírito. Portanto, no capítulo 1 e no capítulo 2 (mais especificamente nos versos 6 ao 12 e no verso 18 do segundo capítulo), Paulo deixa uma série de afirmações quanto a nossa nova natureza em Cristo, sendo nós agora, edificados nele (2: 7), confirmados na fé, abundantes e instruídos na fé e na ação de graças (2: 7).

Assim, devemos: estar aperfeiçoados nele, circuncidados nele, sepultados com ele no batismo e ressurretos nele pela fé. Assumindo, assim, a nossa liberdade com que Cristo nos libertou e vivendo conforme a nossa nova natureza em Deus, ninguém poderá nos dominar a seu arbítrio (ou bel-prazer) em pretextos de humildade. Assumindo a nossa posição como remidos por Cristo, cheios do Espírito Santo e amigos de Deus, devemos – portanto – provar a nossa fé, evidenciando diante das plurais filosofias e formas de vida ditadas pelo mundo, quem tem, de fato, a primazia de nosso ser. Como evidenciar e provar a nossa fé a fim de agradar somente a Cristo? Paulo responde no capítulo 3, no versículo 1 ao 17. Paulo inicia o terceiro capítulo com uma conjunção coordenativa conclusiva: “Portanto…”. E dá uma seqüência conclusiva ao que tratou nos dois primeiros capítulos de sua carta. O apóstolo diz:

“Portanto, se fostes ressuscitados juntamente com Cristo, buscai as coisas lá do alto…”.

Pois bem, Paulo faz, nessas palavras, um convite para a análise interior, para uma sondagem com o intuito de provarmos – em vista de nossas ações e forma de vida – se realmente estamos ressuscitados com Cristo. Evidenciamos mesmo o caráter de Cristo? É extremamente válida tal análise. E se realmente estamos firmados em Cristo, logo pensamos como Cristo. Se estivermos em Cristo, somos parte do Corpo de nosso Senhor. Se nós somos, então, parte do Corpo de Cristo, sendo Ele o cabeça desse corpo, nossas atitudes devem estar em plena conformidade com os pensamentos de Deus. Por isso, Paulo completa: “…se fostes ressuscitados juntamente com Cristo, buscai as coisas lá do alto”. Estar ressuscitado com Cristo e buscar as coisas do alto trazem uma série de aprendizados que aqui menciono:

1) O ressuscitado com Cristo é aquele que já morreu para o mundo. O mundo e o pecado não o escravizam mais. É livre e vive uma vida para a glória de seu Senhor, em fidelidade à Palavra de Deus, em santidade, evidenciando uma vida frutificada pelo Espírito Santo e verdadeiramente piedosa;

2) Buscar as coisas do alto remete à busca, ao interesse e à total inclinação para aquilo que é do Reino. É aquele que vive o Reino e para o Reino de Deus. Buscar aquilo que é do alto é se interessar e se preocupar com os assuntos de Deus.

Como? Se envolvendo com a obra de Deus; se envolvendo com o evangelismo, com a pregação da Palavra. O que busca as coisas que são do alto, busca viver segundo a vontade de Deus, procurando saber qual é a perfeita e agradável vontade do Senhor. Ele lê a Bíblia, ele ora incessantemente, ele clama por sabedoria, ele roga a Deus para ser usado com poder no Evangelho, ele se preocupa em apresentar um bom testemunho na sociedade na qual se insere, ele se preocupa com as questões que envolvem sua congregação, ele busca melhorias para os irmãos, ele desenvolve seus talentos e dons, ele edifica, ele trabalha, ele oferta, etc. Sua mente está voltada para a glória de Deus e sua vida familiar, profissional, financeira, etc. reflete o seu movimento para Deus e sua firme adesão; 3) O que está ressuscitado com Cristo e busca as coisas que são do alto, está em plena sintonia com a mente de Cristo. Se ele está em plena sintonia com as coisas de Cristo, tem os mesmos interesses de Deus, a saber, o resgate de muitas almas. Quem tem a mente firme em Deus e busca as coisas do alto, conseqüentemente não suporta uma vida estática e vai ao encontro do perdido e do desamparado para evangelizá-lo, pois é o que Jesus faz. Portanto, se somos ressuscitados com Cristo, nossa vida frutifica. E essa é a prova de que somos ressurretos para Deus e firmados em Cristo: quando buscamos as coisas de do alto e mantemos nossa mente voltada para as coisas do reino. Eis o exemplo em João 15: 2-4 e 5:

“Todo ramo que, estando em mim, não der fruto, ele o corta; e todo o que dá fruto limpa, para que produza mais fruto ainda. Vós já estais limpos pela palavra que vos tenho falado;permanecei em mim, e eu permanecerei em vós. […] Quem permanece em mim, e eu nele, esse dá muito fruto[…]”.

No versículo 2, a exortação continua assim: “pensai nas coisas que são de cima”. O termo usado no original, traduzido como “pensai”, é “phroneo” e pode ser traduzido também por: “exercitar a mente”, “alimentar a mente” e mesmo “interessar-se por algo”. E a advertência que nos cabe é exatamente essa: precisamos exercitar a nossa mente para desenvolvermos melhor nossos pensamentos sobre Deus a fim de melhorarmos a nossa postura cristã. Há uma profunda ligação entre o nosso pensamento e a nossa atitude. Nossas atitudes nada mais são o reflexo daquilo que pensamos. Se não temos nenhum conhecimento de Deus, não temos nenhum pensamento em conformidade com a vontade de Deus, o que poderemos esperar de nossas atitudes? Como exercitar a mente para pensar nas coisas que são de cima e buscar as coisas que são do alto? Lendo a Escritura! Isso! Lendo, estudando e examinando a Bíblia! Ela fala de Jesus. Ela é a revelação de Jesus Cristo, o Verbo de Deus! Conhecendo a Palavra de Deus, podemos agir conforme Deus e ter uma visão correta sobre nosso Senhor. Atitudes que nos afastam de Deus são atitudes cujos pensamentos estão longe das coisas de Deus. Não pensamos no próximo, não observamos a vontade de Deus, não trabalhamos e nem desejamos trabalhar no Evangelho, etc. Tudo isso por não ter uma mente firmada em Cristo. Se Deus não ocupa nossa mente, nosso ser poderá ser regido, então, pelo pecado. Isso é sério! Não somos mais escravos do pecado! Somos livres em Cristo para exercitar e desenvolver nossa salvação. Precisamos desde já alimentar a nossa mente e pensar nas coisas que são de cima, ou seja: precisamos fazer como Cristo. Precisamos nos alimentar de fazer a obra do Pai (João 4: 33,34), se envolver com as coisas de cima. Esse é o interesse de Cristo. Se nós estamos mesmo com Cristo e enxertados nele, os interesses de nosso Senhor passam a ser nosso interesse também. Uma curiosidade: a filosofia grega clássica e helenística exercia forte influencia na sociedade e nas comunidades onde Paulo exerceu seu apostolado. Não tenho dúvidas de que Paulo era conhecedor, pelo menos em parte, da filosofia grega, uma vez que ele tinha uma relevante desenvoltura entre os gregos na evangelização e no ensino. O modelo de vida realizada na sociedade grega clássica e helenística era o modelo do Sábio, a saber, o homem que era inteiramente realizado para os gregos era o que exercitava o pensamento em vista do bem da polis. Esse era o que exercia a phrónesis (phroneo), ou seja, sabedoria sobre as coisas que transcendiam o ser. Era a sabedoria do alto. Paulo, como era pregador bom, em consonância com essa forma de pensamento, lançou a verdade cristã sob o mesmo viés conceitual: o que se realiza em Deus é aquele que pensa sobre as coisas que são de cima. Esse é o sábio. A sabedoria do cristão estar no centro da vontade de Deus e não mergulhado no pecado. No entanto, muitos problemas, adversidades, e situações diversas tendem a roubar nossa atenção, nossa fé e até mesmo conseguem, às vezes, apagar a chama de nosso coração. Porém, não fomos chamados para uma vida de inconstância, mas sim de perseverança. No versículo 3, Paulo deixa um importante alento: “porque morrestes e a vossa vida está oculta juntamente com Cristo, em Deus”. As aflições desta vida, as lutas e provas que aparecem, junto com a força e o intento do pecado tentam ofuscar nossa visão e fazer com que abaixemos nossas cabeças e erremos o alvo. Nossa vida aqui é constante batalha. Contudo, devemos ter bem certo em nós a esperança de que Cristo está conosco e temos aliança com Deus através do sangue de Jesus Cristo. Estamos escondidos, agora, em Deus. Temos livre acesso a Ele pela graça e pelo sangue. Nenhum mal, nenhum ataque, nenhum desanimo, nenhuma provação, nenhum pecado que ainda cativa nosso ser pode ser mais forte que Jesus em nós. Por isso a importância de uma vida firmada a cada dia em Deus. Pois, buscando sempre as coisas do alto, nos fortalecemos e crescemos em fé e em graça para suportarmos firmes qualquer desafio que possa surgir. Em Deus, estamos protegidos. Não livres dos ataques, não livre das aspirações de nossa carne, não livres do pecado. Aliás, o pecado é uma constante possibilidade de perdermos o foco. Mas, tendo o foco em Deus e nas coisas de Deus, não há como ceder para o pecado. Há o sofrimento, mas há a esperança. Há a tristeza, mas há a alegria que sempre vem pelo amanhecer; existe a provação e a dificuldade, mas há a certeza que em Deus podemos tudo, a nudez, a fome, o perigo, a espada, etc. Tudo nós podemos, naquele que nos fortalece. Buscar as coisas do alto é, portanto, constante negação de nós mesmos (Cl 3: 5), pois esse é o sentido real da nossa morte e ressurreição. Vida virtuosa é isso: negação de suas aspirações e paixões para fazer aquilo que agrada a Deus. Olhar para as coisas que são de cima e focar nas coisas do alto é assumir o chamado; é esquecer das coisas que para trás ficam; é avançar para o alvo; é procurar não errar o alvo; é crescer em graça e em conhecimento; é se encher do Espírito Santo; é se preocupar com as coisas do Reino; é se alimentar de Jesus; é se envolver e se relacionar com nosso Senhor. Buscar as coisa de cima pressupõe uma vida que está determinada a carregar a cruz. Buscar as coisas de cima é poder orar com firmeza de coração: “venha a nós o teu Reino e seja feita a tua vontade!”. Buscar as coisas que são de cima é buscar em Deus e em sua Palavra o sentido para viver e poder olhar para o próximo com mais compaixão. Em Mateus 5: 1-48, Jesus nos deixa o modelo da vida bem-aventurada, ou da “beata vita”, que supõe uma vida de plena realização pessoal. E nos ensinamentos do Sermão da Montanha, Jesus ensina que a bem-aventurança (felicidade plena) está na constante negação de nós mesmos para o serviço do Reino de Deus e no servir o próximo e amar o próximo como marca de uma vida que conheceu a liberdade em Cristo. E não só isso: conheceu a graça e a própria miserabilidade diante do amor de Jesus Cristo. Buscar as coisa do alto pensar nas coisas de cima é, portanto, disposição mental, física e espiritual para morrer de vez para o mundo e viver uma vida ressurreta para Deus. Nossa bem-aventurança está no entendimento da mensagem da cruz. Na cruz consiste a verdadeira liberdade em Cristo. Por quê? Porque morrer para o mundo e para o pecado e vencer a carne, dizendo não para as paixões, inclinações e desapontando nossos fortes desejos em vista da glória de Deus, implica total domínio de si mesmo, numa vida frutificada pela obra do Espírito Santo. Poder dizer para a oferta do maligno e da própria carne que “eu vou agradar a Deus e não a mim mesmo” é vencer – como Cristo – a tentação do Diabo e se portar como verdadeiro liberto. O escravo não consegue. O livre sim, pois seu olhar está firme em Deus e tem constantemente buscado as coisas do alto. Assumir, portanto, a liberdade que Cristo nos concedeu na cruz. Somos livres quando nossa mente está buscando as coisas do alto e pensando nas coisas do alto, pois o pecado não mais nos domina. Temos vitória sobre o maligno! Veja em 1 João, 2: 12-17. Em continuidade de sua admoestação e ensino, Paulo ainda adverte sobre a importância de ainda morrermos totalmente em nossa velha natureza terrena, buscando superar e vencer toda prostituição, impureza, paixão lasciva, desejo maligno e avareza. (3: 5), pois, por essas coisas, vem a ira de Deus sobre os homens. Muitos ainda não acordaram para a seriedade dessas palavras e vivem praticando uma ou todas essas coisas citadas. Mas a palavra de Deus para esses é: condenação! Morte eterna! Inferno.

A não ser que se arrependam agora e busquem a Deus. Buscai as coisas do alto! Perto está o Senhor daqueles que o invocam (Is 55: 6). Paulo ainda insiste: “despojai-vos, igualmente, de tudo isto” (v.8). Notemos que Paulo está falando para a igreja. Isto! Para a congregação de crentes. Amados, somos seres de pecado (1 Jo 1: 8). Temos tendência ao erro, enquanto tivermos esse corpo mortal, pois a morte está instaurada como salário (Rm 6: 23) de nosso pecado. Contudo, temos um advogado diante de Deus (1 Jo 2: 1), a saber, o próprio Cristo. Por isso devemos ter a mente voltada para Cristo, pois Ele é o intercessor, o que advoga e o que nos traz justificação (Rm 6:7).

Contudo, devemos – agora – despojar de tudo que ainda nos faz cativos. Ou vivemos livres para a glória de Deus, ou somos ainda escravos. O céu é para os livres em Cristo. Preocupe-se com isso! Despojando de todo o pecado e de tudo que rouba a primazia de nossa atenção, impedindo-nos de buscar e pensar nas coisas do alto, devemos, tão logo, assumir a forma da nova criatura (novo homem), pois essa nova natureza em espírito nos fará chegar ao pleno conhecimento de Deus e ao modelo de Cristo (v. 10). O velho homem não pode enxergar e conhecer os mistérios de Deus. Portanto, não pode entrar em sua glória, pois Deus é Santo. Mas o novo homem, em espírito e assumindo a cada instante a forma perfeita de Cristo, pode ver a Deus e já aqui, participar da glória e de Jesus Cristo. “não que eu tenha já recebido ou obtido a perfeição, mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus.

[…] esquecendo-me das coisas que para trás ficam e avançando para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo

[…]” (Fp 3: 12-14). Uma excelente noite e auto-análise, reflexão, súplicas e paz!

Gabriel F. M. Rocha. Gabriel F. M. Rocha é professor, graduado em História (licenciatura e bacharelado); pós graduado em Sociologia (lato sensu) e mestrando em Filosofia (stricto sensu) nas áreas de Ética e Antropologia.

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Um chamado para o relacionamento

“Tu me amas?”
ZZZZZZZZZZ

Tema: renovo espiritual e despertamento para um relacionamento com Jesus.
Texto base: João 21: 15-17
Por Gabriel Felipe M. Rocha

Pedro foi um dos mais queridos apóstolos de Jesus. Sua presença nos evangelhos não é a mesma presença firme e peremptória das cartas que levam o seu nome. Muito pelo contrário, o Pedro dos evangelhos é o homem como qualquer um de nós. Não que o Pedro restaurado das cartas, do fiel apostolado e do heróico martírio não fosse também o mesmo homem no que tange as paixões, limitações e temporalidade, mas, nos evangelhos, mostra-se um Pedro com todo o destaque na figura do discípulo, aprendiz e vacilante. Simão de Betsaida – a quem Jesus chamava de Pedro – era um homem inconstante, errôneo e afoito, embora em seu coração houvesse declaradamente um altar erguido para Deus.
Contudo, na ocasião da prisão de seu Mestre, Pedro cometeu – podemos afirmar a partir da Escritura – um dos mais marcantes desvios de conduta de sua vida, a saber, a negação pública de seu Senhor (Jo 18: 17, 25, 27). Como disse certa vez o reverendo Alceu Cunha, certamente não bastavam os espinhos da coroa, os impropérios da multidão, a bofetada em seu rosto, ser cravado numa cruz com agudos pregos, Cristo ainda teve de enfrentar mais uma dor, a saber, a dor da negação pública por parte de um de seus discípulos mais íntimos.
No entanto, para Pedro, a dor gerou amargura de espírito, sentimento de remorso e um visível arrependimento quando esse se pôs a chorar. Segundo as Escrituras, Pedro chorou amargamente (Mt 26: 75). Cristo, embora conhecedor da situação e do propósito da mesma, certamente sofreu pelo ato de Pedro, mas pôde, dentre as tantas dores, sofrer esse acréscimo de suplício em sua alma e, como cordeiro mudo, entregar seu espírito e o pecado de sua Igreja na cruz. Mas Pedro não tinha o controle de situação alguma. Nem mesmo de sua vida e de suas ações, como prova os evangelhos. Podemos imaginar o quanto Pedro sofreu a dor, o remorso, o arrependimento, a culpa pela negação e tudo isso sem um imediato consolo. \talvez, se não fosse a graça divina na firmeza da eleição, Pedro teria o mesmo destino de Judas Iscariotes. Viu seu chamado perder o brilho. Viu seu ministério perder o sentido. Viu sua comunhão com Cristo como algo irreconciliável. Viu sua vida como uma vida imerecida da glória de um Deus tão Santo, tão Bom e tão misterioso. Tão misterioso que permitiu que o Cristo, Filho do Deus Vivo, fosse à cruz e morresse. Foi-se, por um momento, a esperança.
Mas, certa vez, após algum tempo de sua ressurreição, Jesus surge irreconhecível diante de alguns discípulos (v. 4-8), no entanto, com a mesma autoridade. Estavam todos no barco, pescando pela madrugada. Jesus, então, se revela mostrando-os mais um milagre no meio deles. Estavam todos precisando de um milagre. Estavam todos precisando de algum renovo e consolo. Seus ministérios não prosperariam (talvez nem saíssem do lugar) se não fosse a Palavra de Deus se revelar, a saber, o próprio Cristo em autoridade divina. Uma primeira lição que tiramos disso é: Jesus se importa com os seus escolhidos. Se Ele se entregou numa cruz, levando sobre si pecados que não eram seus, sofrendo a dor que seria nossa e morrendo a morte que seria também nossa, por que Ele simplesmente nos abandonaria? Não escaparemos de sua mão (João10: 17,18). Ainda bem que nada depende de nós no que tange a salvação, pois, se dependesse, o mais provável seria, diante das circunstâncias, deixarmos o Mestre e esquecermo-nos de suas palavras. Nossa escrava vontade só poderia nos levar para longe de Deus e nos fazer voltar pelo caminho, voltar para a origem, para os lugares de onde um dia nós fomos chamados e praticar as velhas coisas (João 21: 3). Embora erremos, falhemos, e sempre pequemos, Deus nos dá a oportunidade do arrependimento e, diante da sua graça e misericórdia, crescemos em novidade de vida, perseverança e firmes rumo à perfeição (Fp 3: 12-16). Embora venha o desânimo, a incerteza, alguma aflição, tristeza e, junto com tudo isso, a desesperança, Cristo surge com um milagre. Surge no tempo dele, surge na oração nossa, surge na perseverança, surge pela promessa e pelos decretos de um Deus soberano, justo e generoso. Jesus se revela! Jesus se revela na situação e no contexto de nossa prova, luta, embaraço ou mesmo desânimo.
Jesus, ali, pergunta aos seus discípulos se eles tinham algo para comer. Logo eles respondem que não. Ele, com sua Palavra, vai direto naquilo que nos incomoda e nos atribula. Ele arranca de nós a resposta e dá a solução. E da solução, vem o avivamento. Assim é a Palavra de Deus na vida do cristão: é a atuação e a revelação (o surgimento) de um Jesus vivo que transforma tudo, começando de nós mesmos.
Um momento interessante dessa passagem é quando João (identificado ali como o “discípulo a quem Jesus amava”) reconhece a Jesus e vai tão logo, em notável entusiasmo, a Pedro e diz: “é o Senhor!”. Imaginemos a cena da seguinte maneira: Pedro certamente podia ter compartilhado com João de sua angústia desde o trágico dia da negação. Algo muito natural, quando a própria Bíblia mostra que João e Pedro tinham certa proximidade, uma vez que os dois aparecem juntos em várias situações extras aos momentos de comunhão, banquetes e viagens (Mc 14: 33; Atos 3: 1). Quando João, então, percebe o Cristo, logo diz a Pedro em tom de esperança renovada: “É o Senhor”! Foi como dizer: “é o Mestre, Pedro! Não tem nada perdido! Ânimo!”. Posso imaginar o sentimento de esperança em Pedro mesclada com o medo de alguma reprovação por parte de seu Senhor, o que seria justo. Entretanto, o que se sabe é que Pedro se lançou ao mar e foi ao encontro de seu Senhor. Certamente esse ato evidencia o desespero de Pedro por Cristo e sua indisfarçável vontade de reconciliar-se tão logo com seu Senhor.
E, diferente de qualquer tipo de reprovação ou mesmo a retribuição da negação, Jesus, recebe a Pedro com a mesma igualdade com que recebe os demais discípulos e os convida a comer.
Uma segunda lição pode-se tirar dessa passagem bíblica: Deus está sempre pronto a perdoar, apagando toda a transgressão (Is 43: 25,26) quando o buscamos de coração contrito. Jesus está sempre pronto a se revelar e nos auxiliar quando damos ouvidos à Sua Palavra (João 21: 6-8). Ele está sempre disposto a nos receber quando vamos ao seu encontro (João 21: 7; João 10: 9).
Mas, a partir do verso 15, Pedro terá um acerto de contas com seu Senhor. Haverá um confronto onde toda a angústia, desesperança, crise, maus pensamentos, desânimo, etc. irão desaparecer para dar lugar ao avivamento que todo o discípulo e servo de Cristo precisam um dia, ou sempre. Uma terceira lição adianta-se: existem momentos e situações em que, em vista de algum panorama ruim, deixamo-nos levar por algum descontentamento, por alguma frieza no serviço cristão, por alguma aparente derrota, por um objetivo que não é realizado, maus pensamentos, etc. Todos nós – que professamos a fé em Cristo – estamos sujeitos à frieza. Podemos lembrar aqui do exemplo dos dois discípulos no caminho de Emaús (Lc 24: 13-35). Deixaram-se guiar pela desesperança das “últimas notícias” (v. 18) e, desanimados e angustiados (v. 17-21), deixaram Jerusalém indo de volta para Emaús. A ordem de Jesus, antes de sua ascensão, era para que ninguém se ausentasse de Jerusalém (Atos 1: 4), pois ali se cumpriria uma importante promessa para a efetivação da missão da Igreja (Atos 1: 4,5; 2: 1-47). Mas a primazia às circunstâncias, o não desenvolvimento da fé, o sentimento de culpa, a ausência de oração, a não vigilância e a desesperança provocam a perda de foco. Isso é algo, infelizmente, comum no seio de tantas igrejas, líderes, ministérios e grupos. Contudo, os decretos de Deus para com nossas vidas (incluindo a salvação) não podem ser minados, pois Cristo nos comprou com total suficiência e jamais escaparemos de suas mãos (Jo 10: 28; Fp 1: 6), mas, existem momentos onde exercer a nossa vocação e fazê-la firme só é possível através de um “impulso no motor” para fazer mover toda a máquina. Então, Cristo surge!
Assim foi também com Pedro. Houve, portanto, o marcante diálogo entre Jesus e Pedro. Foi uma interrogação feita na terceira aparição de Jesus após sua ressurreição (João 21: 1-14).
Jesus faz três perguntas a Pedro. Pela dinâmica do relato, pode-se entender que essas interrogações se deram ali mesmo diante dos outros discípulos. Assim como Pedro negara a Jesus em público, Pedro confessaria seu amor por Cristo em público. Obviamente Jesus não queria dar algum “troco” a Pedro e nem mesmo expor o mesmo diante do colégio apostólico ali reunido. Era mesmo um necessário momento de confronto!
Foi feita a primeira pergunta: “Simão, filho de João, amas-me mais do que estes outros?” (v. 15). Pedro respondeu: “sim, Senhor, tu sabes que te amo”. É interessante notar que a mesma boca que negou Jesus em público, diante de pessoas escarnecedoras e carentes de Deus, confessava o amor ao mesmo Cristo diante da congregação de santos. Não estamos aqui negando ou duvidando da sinceridade da resposta de Pedro, pois, a Bíblia não nos permite essa afirmação e acreditamos na total sinceridade de Pedro ao dar sua resposta. Mas o texto nos convida a refletir sobre uma quarta lição: a mesma boca pode professar benção e maldição (Tg 3: 10). Talvez, para alguns, seja difícil confessar seu chamado, sua vocação e sua postura diante do mundo e acaba negando a Cristo, mas – incrivelmente – confessa o seu incoerente amor a Cristo em sua congregação, cantando louvores, levantando as mãos para o alto em sinal de reverência e quebrantamento. Pregam a Cristo com total facilidade e talento, vestem a camisa da igreja, cuja estampa diz: “eu amo Jesus”, mas seu coração está longe dessa afirmação, pois as obras não manifestam e comprovam essa confissão. Esse não foi o caso de Pedro, pelo menos a Bíblia não nos dá margem para tais afirmações através da vida do mesmo. No caso de Pedro, a boca proferiu aquilo que estava latente no coração (Lc 6: 45). Por isso, Pedro respondeu dizendo: “tu sabes”. Isso pôde revelar uma coisa: o que tentar dizer com palavras no desgaste espiritual de uma vida que certa hora afirmou que morreria por Cristo (Mt 26: 33-35) e, no mesmo episódio, o negou três vezes? Mas há uma semelhança entre Pedro e nós mesmos, a saber, a humanidade, o pecado, a passividade em relação a algumas coisas, a vaidade, o orgulho, a descrença, o medo, etc. Embora possa haver isso, o chamado de Cristo às nossas vidas continua de pé. Ele nos chama para o serviço. Pedro, assim que respondeu a primeira pergunta, foi surpreendido com a ordem de Cristo: “apascenta os meus cordeiros” (v. 15). Pedro podia – com algumas razões – ter pensado que seu ministério, seu chamado, sua vocação, sua instrumentalidade estariam esgotados ou perdidos. Mas Jesus sempre dá novas chances. Ele nos chama para servir. Jesus como o Sumo Pastor da Igreja, convoca a Pedro para pastorear as suas ovelhas. Isso é o mesmo que dizer: “vem sofrer as minhas aflições” (2 Tm 4:5; Cl 1: 24). Pedro foi chamado para pastorear, para ser um ministro do Evangelho.
Cada um de nós tem um chamado, um talento ou um dom a ser desenvolvido para o Reino de Deus. Então, vem a quinta lição: Cristo quer restaurar nossa instrumentalidade para o serviço do Reino. Ele está disposto a esquecer o que se passou e avivar nossas vidas para a glória de seu Nome. Seu Espírito Santo – Consolador (parakletos) – faz-nos esquecer de tudo que para trás fica, dando o devido consolo e renovo. E admoesta-nos a prosseguir para o alvo. Como o “parakletos” (advogado, o que anda junto, consolador), Ele coloca o alvo novamente à nossa frente e nos ajuda a mirar e atirar corretamente. Essa analogia é de fundamental relevância aqui, pois, o “errar o alvo” é nada mais e nada menos que o significado do termo “hamartia” que se traduz também por “pecado”. Esse foi o renovo de Pedro e é também o nosso: Cristo faz com que esqueçamos o passado e nos faz mirar para o futuro, para agora, atirar certo, melhor e eficazmente.
Logo, veio a segunda pergunta: “Pedro, amas-me?”, E Pedro novamente respondeu: “sim, Senhor, tu sabes…”.

Semelhante à primeira, a segunda pergunta de Jesus foi transcrita para o grego através do mesmo termo, a saber, “agapao”, que vem de “agan” (muito). Esse termo traduzido para o português como “amas-me” remete, em vista do original, a um amor social e moral. Remete também ao amor por veneração, respeito, obrigação. Sua raiz, “ágape”, trata-se de um amor sublime. É o mesmo amor citado nas Escrituras para definir o amor ao próximo, por exemplo. Vamos para a sexta lição: responder diante da igreja, do mundo, dos amigos e da família esse amor não tem sido tão difícil quando não se tem a disposição para vivê-lo na íntegra. É o tipo de amor que se banalizou na fala, nas pregações, nos cânticos de vários cristãos (e até mesmo não cristãos). Para vestir uma camisa ou pegar um microfone e dizer “eu amo Jesus” não necessita de uma adesão tão séria a essa afirmação. Na verdade, necessitaria sim, mas o simples dizer com os lábios “sim, Senhor, eu te amo” pode não implicar um real compromisso com a confissão. Muitos que dizem “eu te amo” não têm a vida transformada pelo Evangelho. Vivem de fantasias, experimentalismos ou, até mesmo, participam de alguma forma, da graça de Deus. Mas suas vidas são infrutíferas. São capazes de responder as duas primeiras perguntas, mas são incapazes de apascentar as ovelhas de Deus, ou, em outras palavras, trabalhar e se envolver – em diferentes modos – no serviço cristão. Suas bocas professam um nobre sentimento e uma declaração comum às pessoas piedosas, mas suas atitudes revelam rebelião contra Deus em várias áreas. Para a conclusão da sexta lição, colocamos o seguinte: deve haver uma coerência entre a nossa confissão e a nossa atitude. O fato de Jesus, nas três interrogações, ter imediatamente convocado ao serviço nada mais é para mostrar que a confissão deve se estreitar com a atitude. Só prova que ama o Senhor quem a Ele serve (João 15: 2-15; Mc 3: 35; Mt 7: 21).
Mas a terceira pergunta causa confronto. Ela mexe no íntimo. Causa reboliço e auto-análise. Leva para o arrependimento e causa a tristeza segundo Deus.
Tendo Pedro respondido já a segunda pergunta com aparente facilidade, Jesus tão logo reafirma a convocação para o serviço. Mas faltava a última pergunta. No verso 17, Jesus faz a terceira interrogação: “Simão, filho de João, tu me amas?” O relato bíblico deixa evidente que a tristeza surgiu diante dessa terceira pergunta. Mas, por quê?
Diferente das duas primeiras perguntas, Jesus usou o termo, que transcrito para o grego, foi “phileo”, e que traduzido para o nosso português, ficou, como nas duas perguntas, “me amas”. Porém, o amor “phíleo” tem outra conotação. “Phíleo” significa “ser amigo”, “gostar de”, “ter prazer em”, “sentir afeto”. Pode expressar a deliberada concordância da vontade com aquilo que se conhece e deseja. A tradução mais popular para “phíleo” é “amigo”, ou, “amor de amigo”. Também pode conotar “relacionamento” e “intimidade”, como a intimidade e o relacionamento entre um casal.
Essa expressão – na terceira pergunta – deixou Pedro triste, pois, era exatamente o que faltava em sua vida: correspondência de sua vontade com a vontade de Deus. Havia em Pedro o amor por Jesus Cristo, mas era um amor ainda estático, sem crescimento, influenciável, volúvel e insuficiente para assumir em sua vida o ministério. Diante do relato da terceira pergunta de Jesus a Pedro, deixamos a sétima e última lição: a escrava e corrupta vontade apenas levaram a Pedro ao pecado e à angústia, ao desânimo e à vergonha, mas, a vontade de Deus se manifestou na revelação de Jesus Cristo, tocando em seu espírito, comunicando-o a sua vocação, fazendo-o desejar servir a Deus com mais intensidade, amor, devoção, amizade, relacionamento, intimidade, etc. Por isso, confiantemente, embora com tristeza, Pedro respondeu à terceira interrogação: “Senhor, tu sabes todas as coisas, tu sabes que eu te amo” (v. 17). “Tu sabes” havia sido ainda a única argumentação possível a Pedro diante do confronto. Dizer ao Senhor “tu sabes” é um convite que podemos fazer ao nosso Deus em oração para sondar nosso coração (Sl 7: 9; Sl 17: 3; Sl 139: 1). É o mesmo que dizer a Deus que não podemos nada por nós mesmos, mas, Ele sabe que há um pequeno fogo aceso em nosso coração e basta só uma ação e palavra Sua para fazer arder o nosso coração (Lc 24: 32).
Ainda nessa sétima e última lição, o amor com que Cristo nos convida a amá-lo é o amor que implica não só as palavras e declarações. Mas, sobretudo, o amor que implica relacionamento, intimidade, serviço, atitudes, piedade, compromisso, afeto, zelo, reverência, fidelidade, obediência, resignação, santificação e perseverança. Quando a “terceira pergunta” é feita a muitos, a tristeza toma conta e muitos não prosperam nesse amor (Mt 16: 19-22). Por outro lado, alguns repensam se realmente amam ao Senhor e perseveram.
Para quem não é capaz de responder com total certeza a essa terceira pergunta, Jesus surge! Há uma chama acesa, pois o próprio Senhor nos batizou com o Seu Santo Espírito para que possamos ser efetivamente seus. As provações ministeriais, pessoais e familiares sempre virão. O desânimo e a desesperança poderão bater aas portas. Contudo, Cristo está ao nosso lado como esteve com os discípulos no barco. Ele nos ensina a pescar. Ele – através da Palavra – se revela com autoridade e muda a situação. Ele responde nossa oração e renova a alma, removendo a tristeza. Ele, portanto, nos faz capazes de cumprir aquilo que Ele mesmo nos chamou para fazer.
Para quem já pôde responder e para quem ainda vai responder á pergunta de Jesus, a convocação está posta: “apascenta as minhas ovelhas!”. Em outras palavras, “participe de minhas aflições e da minha glória”. “Se relacione comigo”. “Seja meu amigo”. “Ande comigo sempre”. “Não perca o foco em mim”.

“Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu Senhor; mas tenho-vos chamado amigos, porque tudo o quanto ouvi de meu Pai vos tenho dado a conhecer” (João 15: 15);

“Mas, como está escrito: nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam” (1 Co 2: 9).

Com orações,

Gabriel Felipe M. Rocha

Gabriel F. M. Rocha é professor, graduado em História (licenciatura e bacharelado); pós graduado em Sociologia (lato sensu) e mestrando em Filosofia (stricto sensu) nas áreas de Ética e Antropologia.

Referências:
Bíblia de Estudos de Genebra (Edição Revista e Ampliada/ Almeida revista e atualizada);

Bíblia de Estudos Palavras-chave/ Hebraico e Grego (Almeida revista e corrigida).