Como saber se sou cristão?

Man reading the bible
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(POR KEVIN DEYOUNG)

Sempre que aconselho cristãos a procura da certeza da salvação, eu os levo para 1 João. Essa breve epístola é cheia de ajuda para determinar se estamos na fé ou não. Em particular, existem três sinais em 1 João dados a nós para respondermos a questão “Tenho confiança ou condenação?”

O primeiro sinal é teológico. Você pode ter confiança se você crê em Jesus Cristo, o Filho de Deus (5.11-13). João não quer que as pessoas tenham dúvida. Deus quer que você tenha segurança, que você saiba que tem a vida eterna. E esse é o primeiro sinal, que você acredita em Jesus. Você acredita que ele é o Cristo ou o Messias (2.22). Você acredita que ele é o Filho de Deus (5.10). E você acredita que Jesus Cristo veio em carne (4.2). Então, se você tem a sua teologia errada sobre Jesus você não terá a vida eterna. Mas um dos sinais que devem te dar confiança perante Deus é que você acredita em seu único filho Jesus Cristo nosso Senhor (4.14-16; 5.1,5)

O segundo sinal é moral. Você pode ter confiança se você vive uma vida justa (3.6-9). Aqueles que praticam iniquidade, que mergulham de cabeça no pecado, que não apenas tropeçam mas habitualmente andam na iniquidade não devem ser confiantes. Isso não é diferente do que Paulo nos diz em Romanos 6 que não somos mais escravos do pecado mas servos para a justiça e em Gálatas 5 que aqueles que andam na carne não herdarão o reino de Deus. Isso não é diferente do que Jesus nos diz em João 15 que uma árvore boa não pode gerar frutos ruins e uma árvore ruim não pode gerar frutos bons. Então, se você vive uma vida moralmente justa você pode ter confiança (3.24). E para que esse padrão não te faça desesperar, tenha em mente que parte de uma vida justa é recusar-se a afirmar que você vive sem pecado e vir a Cristo para nos purificar de todo pecado (1.9-10).

O terceiro sinal é social. Você pode ter confiança se você ama outros cristãos (3.14). Se você odeia como Caim você não tem vida. Porém, se o seu coração e a sua carteira estão abertos para irmãos e irmãs, a vida eterna permanece em você. Um sinal necessário de verdadeira vida espiritual é que amamos uns aos outros (4.7-12,21).

Essas são as três indicações de João para nos assegurar que estamos no caminho que leva para a vida eterna. Essas não são três coisas que devemos fazer para merecer a salvação, mas três indicadores de que Deus tem de fato nos salvado. Acreditamos em Jesus Cristo, o Filho de Deus. Vivemos uma vida justa. Somos generosos para com outros cristãos. Ou podemos colocar da seguinte forma: sabemos que temos a vida eterna se amamos Jesus, se amamos os seus mandamentos e se amamos o seu povo. Nenhum dos três é um opcional. Todos devem ser presentes no cristão, e todos são entendidos como sinais para a nossa certeza (veja 2.4,6; 4.20; 5;2).

João elabora os mesmos pontos repetidamente. Você ama a Deus? Você ama os seus mandamentos? Você ama o seu povo? Se não, é um sinal de que você tem a morte. Se sim, é um sinal de que você tem a vida. E isso significa confiança ao invés de condenação.

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Discipulado Verdadeiro

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Discipulado, discípulo, fazer discípulos, seguir o Mestre. Estas são palavras comumente ouvidas em nossa vida na cristã. Palavras muitas vezes ditas, às vezes ouvidas, nem sempre compreendidas… Nos tempos atuais às vezes entende-se “discipulado” como aulas teóricas da duração de uma apostila, ser “discípulo” é um estágio até atingir o grau de membro da igreja e “fazer discípulos” é o ato de evangelizar. Será que realmente vivemos o modelo de discipulado deixado por Jesus?
No evangelho segundo João capítulo 1 versículos 35 a 42, encontramos algumas características do discipulado que agrada a Deus:

1 – O verdadeiro discipulado é aquele que faz discípulos para Jesus, não seguidores de homens (vs. 35-37). A Palavra nos ensina que João estava na companhia de dois de seus discípulos e, quando anunciou que Jesus era o Cordeiro de Deus, estes o ouviram “e seguiram a Jesus”. No modelo de Jesus discipulado anuncia Cristo e o discípulo segue somente a Cristo.

2 – Discípulo é aquele que tem prazer em ouvir Jesus (vs. 38,39).Em dias onde o tempo é escasso e lidamos com um mundo repleto de entretenimentos e distrações, o verdadeiro discípulo é aquele que busca tempo para ouvir os ensinos de Jesus e os prioriza. No texto vemos que os dois discípulos, apesar do horário avançado, reconhecem que Jesus é o Mestre e entendem que precisam estar com Ele o quanto pudessem.

3 – Discípulo é aquele que tem alegria em dizer que achou Cristo e de conduzir seus conhecidos a Ele (v. 41).
André, ao reconhecer ser Jesus o Messias prometido, encontra-se com seu irmão, Simão, e anuncia-lhe ter encontrado o Messias e o conduz a um encontro com Cristo. Um verdadeiro discípulo sente prazer em dizer que encontrou a salvação, é um portador de boas notícias e conduz os seus a Jesus.

4 – Jesus sabe quem são seus discípulos (v. 42).
Quando Simão é conduzido ao Mestre, antes que se apresentasse Jesus já o conhece e, ao dar-lhe um novo nome, prenuncia o ministério que Simão, agora Pedro, teria entre os discípulos. Antes de conhecermos a Jesus ele já nos conhecia.
Que você continue a ser um discípulo seguidor de Jesus. Que continue a alegra-se em aprender Dele, que anuncie a todos que o encontrou e que mais e mais pessoas sejam alcançadas por Jesus através de você.

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Estudar teologia

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Estudar teologia não implica apenas no acréscimo de conhecimento. É muito mais!

Estudar teologia (com verdadeira devoção) acrescenta a dívida de amor de quem a estuda.

O conhecimento da Verdade se torna eficaz no momento que se propõe pagar a dívida de amor.

Conhecer a Verdade implica na adesão ao bem. Conhecer a Verdade é estar livre para praticar o bem. Conhecer a Verdade é estar liberto do próprio ego para servir melhor o próximo. Esse é o sentido de estudar teologia.

Conhecer mais sobre Deus deve supor viver mais conforme Deus.

Quanto mais se conhece, mais forte se torna a necessidade de engajamento. E quem não se engana ao bem que conhece, peca.

E é isso que me preocupa….

Gabriel Felipe M. Rocha

Uma necessária advertência (Gabriel F. M. Rocha)

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“Sabe, porém, isto: que nos últimos dias sobrevirão tempos trabalhosos. Porque haverá homens amantes de si mesmos, avarentos, presunçosos, soberbos, blasfemos, desobedientes a pais e mães, ingratos, profanos, sem afeto natural, irreconciliáveis, caluniadores, incontinentes, cruéis, sem amor para com os bons, traidores, obstinados, orgulhosos, mais amigos dos deleites do que amigos de Deus, tendo aparência de piedade, mas negando a eficácia dela. Destes afasta-te” (2 Tm 3. 1-5).

A alerta que Paulo faz a Timóteo (no texto acima) é pertinente, pois, o propósito de Paulo para com Timóteo era prepará-lo para exercer bem o ministério e administrar bem a igreja e as coisas de Deus. Portanto, as advertências e exortações nunca giravam em torno apenas de problemas de natureza doutrinária. Nem mesmo se pautava no cuidado que as igrejas deviam ter em relação aos falsos líderes. Tampouco, as perseguições políticas e religiosas eram o assunto principal entre os apóstolos. Havia também, como lemos aqui, a advertência para se afastar dos vaidosos, orgulhosos, soberbos. Dos homens e mulheres cheios de si. Inchados em seus orgulhos e obstinações. Por quê?

Porque esses são tão perigosos quantos aqueles líderes e falsos doutores que deturpavam a mensagem da cruz. Arrisco dizer que os vaidosos, orgulhosos, obstinados, presunçosos e avarentos são mais perigosos que os ataques e as perseguições frontais, pois esses são como o câncer que vai proliferando sua presença maligna. Como Paulo mesmo cita no texto, esses vaidosos, orgulhosos e cheios de si mesmo, são irreconciliáveis. Não aceitam a exortação. Não aceitam a doutrinação. São também invejosos. Querem estar por cima. Querem ter a razão. O vaidoso e orgulhoso quer ser os melhor e o “sabidão”. Ignora o verdadeiro conhecimento que parte do pressuposto da humildade e dependência. Nesses não podemos confiar, pois como Paulo mesmo diz, são traidores e mais amigos de seus deleites do que de Deus. São perigosos, pois – como também denuncia Paulo – eles têm aparência de piedade, mas negam a eficácia dela em suas vidas e ações diárias.

Portanto, para que possamos cuidar das coisas de Deus, servir a Deus melhor e viver um Evangelho autêntico, é necessário afastar-se desses. Mas creio que a advertência é bem mais que isso!
Não tenho dúvida alguma de que Paulo queria provocar em Timóteo (também) uma análise interior. Timóteo estava sendo preparado para exercer uma séria liderança em sua congregação. Portanto, era necessário não só se afastar desses, mas – jamais – ser como esses. Paulo chega a dizer a Timóteo: “mas tu, porém, tem seguido minha doutrina…”. Ou seja, “sua postura não condiz com a vaidade, o orgulho e soberba desses tantos”. Portanto, “permanece naquilo que aprendeste, e de que foste inteirado, sabendo de quem o tens aprendido…”.
É comum alguns sentimentos de vaidade e orgulho tomarem nosso coração. Tem momentos que achamos que somos bons demais. Sabemos demais! Tem hora que assumimos uma convicção de que somos top demais e bons demais para fazer coisas tão simplórias… E a “bola de neve” começa a rolar… Se sou bom demais, pra quê visitar o irmão “zé”? Deixe que outro faça isso, ora… Para quê ir à escola bíblica? Para quê frequentar reuniões de capacitações pessoal se sou o “super capacitado”. E a “bola de neve” vai rolando… Daí começo com a soberba e termino na maledicência, ingratidão, traição, etc.

A vida cristã é o oposto disso tudo. Por quê? Porque o cristão para ser mesmo um discípulo, ele precisa renunciar a muitas coisas, negar a si mesmo, pegar a sua cruz e seguir o Mestre. Isso implica no esvaziamento de si mesmo. Logo, pegar a cruz implica fazer como Cristo fez: deixar Deus prosseguir com seu plano em nossas vidas. Foi isso que Cristo fez quando assumiu a cruz: deixou o Pai executar seu plano eterno. Não que Deus necessite de minha permissão (pois seus planos não podem ser frustrados), mas o cristão cheio do Espírito Santo, remido por Cristo, passa a entender a necessidade de ser guiado pelo Espírito e nunca pela carne.
Paulo mesmo faz tal distinção em Gálatas 5 entre os que são da carne e os que são do Espírito. Note que ele diz em Gl 5. 24 que os que são realmente de Cristo já crucificaram a carne a fim de viverem em Espírito. E, para viver em Espírito e frutificar pelo Espírito (Gl 5.22) é necessário o percurso da humildade, do esvaziamento, da dependência de Deus.

Portanto, a vaidade, o orgulho, a soberba, a arrogância, a obstinação desenfreada, e outras tantas obras da carne “bem alimentada” não pode levar o indivíduo ao Eterno lar de Deus. Antes, esses estão já condenados em seus delitos como Paulo diz a Timóteo.

Mas os que são de Cristo e são como Cristo estão crucificando a carne dia-a-dia, sofrendo as aflições de Cristo, esvaziando de si mesmos para viver uma vida abundante na presença de Deus.
A humildade e a submissão do cristão refletem o seu temor a Deus. Temor que, por sua vez, reflete uma vida obediente e solícita para as coisas de Deus. Essa é a verdadeira sabedoria! Não há orgulho e nem vaidade! Há a certeza de que estamos bem e estamos trilhando o caminho certo, mesmo com as adversidades próprias de nosso século.

“Tu, porém, tens seguido a minha doutrina, modo de viver, intenção, fé, longanimidade, amor, paciência, Perseguições e aflições […]. Mas os homens maus e enganadores irão de mal para pior, enganando e sendo enganados. Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste, e de que foste inteirado, sabendo de quem o tens aprendido, E que desde a tua meninice sabes as sagradas Escrituras, que podem fazer-te sábio para a salvação, pela fé que há em Cristo Jesus” (2 Timóteo 3:10-15).

Gabriel Felipe M. Rocha
Gabriel Felipe M. Rocha

A cruz e o “eu”

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(Por Arthur W. Pink)

Antes de abordarmos o tema deste versículo, desejamos fazer algumas considerações sobre os seus termos. “Se alguém” — o termo utilizado refere-se a todos os que desejam unir-se ao grupo dos seguidores de Cristo e alistar-se sob a bandeira dEle. “Se alguém quer” — o grego é muito enfático, significando não somente a anuência da vontade, mas também o propósito completo do coração, uma resolução determinada. “Vir após mim” — como um servo sujeito a seu Senhor, um aluno, ao seu Mestre, um soldado, ao seu Capitão. “Negue” — o vocábulo grego significa negue-se completamente. Negue-se a si mesmo — a sua natureza pecaminosa e corrupta. “Tome” — não quer dizer leve ou suporte passivamente, e sim assuma voluntariamente, adote ativamente. “A sua cruz” — que é desprezada pelo mundo, odiada pela carne, mas, apesar disso, é a marca distintiva de um verdadeiro crente. “E siga-me” — viva como Cristo viveu, para a glória de Deus.

O contexto imediato é ainda mais solene e impressionante. O Senhor Jesus acabara de anunciar aos seus apóstolos, pela primeira vez, a aproximação de sua morte de humilhação (v. 21). Pedro, admirado, disse-Lhe: “Tem compaixão de ti, Senhor” (v. 22). Estas palavras expressaram a política da mentalidade carnal. O caminho do mundo é a satisfação e a preservação do “eu”. “Poupa-te a ti mesmo” é a síntese da filosofia do mundo. Mas a doutrina de Cristo não é “salva-te a ti mesmo”, e sim sacrifica-te a ti mesmo. Cristo discerniu no conselho de Pedro uma tentação da parte de Satanás (v. 23) e, imediatamente, a repeliu. Jesus disse a Pedro não somente que Ele tinha de ir a Jerusalém e morrer ali, mas também que todos os que desejassem tornar-se seguidores dEle tinham de tomar a sua cruz (v. 24). Existia um imperativo tanto em um caso como no outro. Como instrumento de mediação, a cruz de Cristo permanece única; todavia, como um elemento de experiência, ela tem de ser compartilhada por todos os que entram na vida.

O que é um “cristão”? Alguém que possui membresia em uma igreja na terra? Não. Alguém que afirma um credo ortodoxo? Não. Alguém que adota certo modo de conduta? Não. Então, o que é um cristão? É alguém que renunciou o “eu” e recebeu a Cristo Jesus como Senhor (Cl 2.6). O verdadeiro cristão é alguém que tomou sobre si o jugo de Cristo e aprende dEle, que é “manso e humilde de coração” (Mt 11.29). O verdadeiro cristão é alguém que foi chamado à comunhão do Filho de Deus, “Jesus Cristo, nosso Senhor” (1 Co 1.9): comunhão em sua obediência e sofrimento agora; em sua recompensa e glória no futuro eterno. Não existe tal coisa como o pertencer a Cristo e viver para satisfazer o “eu”. Não se engane nesse ponto. “Qualquer que não tomar a sua cruz e vier após mim não pode ser meu discípulo” (Lc 14.27) — disse o Senhor Jesus. E declarou novamente: “Aquele que [em vez de negar-se a si mesmo] me negar diante dos homens [e não para os homens — é a conduta, o andar que está em foco nestas palavras], também eu o negarei diante de meu Pai, que está nos céus” (Mt 10.33).

A vida cristã tem início com um ato de auto-renúncia, sendo continuada por automortificação (Rm 8.13). A primeira pergunta de Saulo de Tarso, quando Cristo o deteve, foi esta: “Que farei, Senhor?” (At 22.10.) A vida cristã é comparada a uma corrida, e o atleta é chamado a desembaraçar-se “de todo peso e do pecado que tenazmente… assedia” (Hb 12.1) — ou seja, o pecado que está no amor ao “eu”, o desejo e a resolução de seguir nosso próprio caminho (Is 53.6). O grande e único alvo, objetivo e tarefa colocados diante do cristão é seguir a Cristo: seguir o exemplo que Ele nos deixou (1 Pe 2.21); e Ele não agradou a Si mesmo (Rm 15.3). Existem dificuldades no caminho, obstáculos na jornada, dos quais o principal é o “eu”. Portanto, ele tem de ser “negado”. Este é o primeiro passo em direção a seguir a Cristo.

O que significa negar completamente a si mesmo? Primeiramente, significa o completo repúdio de sua própria bondade: cessar de confiar em quaisquer de nossas obras para recomendar-nos a Deus. Significa uma aceitação irrestrita do veredicto divino de que todos os nossos melhores feitos são “como trapo da imundícia” (Is 64.6). Foi neste ponto que Israel falhou, “porquanto, desconhecendo a justiça de Deus e procurando estabelecer a sua própria, não se sujeitaram à que vem de Deus” (Rm 10.3). Esta afirmativa deve ser contrastada com a declaração de Paulo: “E ser achado nele, não tendo justiça própria” (Fp 3.9).

Negar completamente a si mesmo significa renunciar de todo a sua própria sabedoria. Ninguém pode entrar no reino de Deus, se não se tornar como uma “criança” (Mt 18.3). “Ai dos que são sábios a seus próprios olhos e prudentes em seu próprio conceito!” (Is 5.21.) “Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos” (Rm 1.22). Quando o Espírito Santo aplica o evangelho com poder em uma alma, Ele o faz “para destruir fortalezas, anulando… sofismas e toda altivez que se levante contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo pensamento à obediência de Cristo” (2 Co 10.4,5). Um lema sábio que todo cristão deve adotar é: “Não te estribes no teu próprio entendimento” (Pv 3.5).

Negar completamente a si mesmo significa renunciar suas próprias forças: não ter qualquer confiança na carne (Fp 3.3). Significa prostrar o coração à afirmativa de Cristo: “Sem mim nada podeis fazer” (Jo 15.5). Foi neste ponto que Pedro falhou (Mt 26.33). “A soberba precede a ruína, e a altivez do espírito, a queda” (Pv 16.18). Quão necessário é que estejamos sempre atentos! “Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia” (1 Co 10.12). O segredo do vigor espiritual se encontra em reconhecermos nossa fraqueza pessoal (ver Is 40.29; 2 Co 12.9). Sejamos, pois, fortes “na graça que está em Cristo Jesus” (2 Tm 2.1).

Negar completamente a si mesmo significa renunciar de todo a sua própria vontade. A linguagem de uma pessoa não-salva é: “Não queremos que este reine sobre nós” (Lc 19.14). A atitude de um verdadeiro cristão é: “Para mim, o viver é Cristo” (Fp 1.21) — honrar, agradar e servir a Ele. Renunciar a nossa própria vontade significa dar atenção à exortação de Filipenses 2.5: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus”; e isto é definido nos versículos seguintes como auto-renúncia. Renunciar a nossa própria vontade é o reconhecimento prático de que não somos de nós mesmos e de que fomos “comprados por preço” (1 Co 6.20); é dizermos juntamente com Cristo:

“Não seja o que eu quero, e sim o que tu queres” (Mc 14.36).

Negar completamente a si mesmo significa renunciar as suas próprias concupiscências ou desejos carnais. “O ego de um homem é um pacote de ídolos” (Thomas Manton), e esses ídolos têm de ser repudiados. Os não-crentes amam a si mesmos (2 Tm 3.2 – ARC). Todavia, alguém que foi regenerado pelo Espírito diz, assim como Jó: “Sou indigno… Por isso, me abomino” (40.4; 42.6). A respeito dos não-crentes, a Bíblia afirma: “Todos eles buscam o que é seu próprio, não o que é de Cristo Jesus” (Fp 2.21). Mas, a respeito dos santos de Deus, está escrito: “Eles… mesmo em face da morte, não amaram a própria vida” (Ap 12.11). A graça de Deus está nos educando “para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos, no presente século, sensata, justa e piedosamente” (Tt 2.12).

Este negar a si mesmo que Cristo exige dos seus seguidores é total. Não há qualquer restrição, quaisquer exceções — “Nada disponhais para a carne no tocante às suas concupiscências” (Rm 13.14). Este negar a si mesmo tem de ser contínuo e não ocasional — “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me” (Lc 9.23). Tem de ser espontâneo, não forçado; realizado com alegria e não com relutância — “Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como para o Senhor e não para homens” (Cl 3.23). Oh! quão perversamente tem sido abaixado o padrão que Deus colocou diante de nós! Como este padrão condena a negligência, a satisfação carnal e a vida mundana de muitos que se declaram (inutilmente) “cristãos”!

“Tome a sua cruz.” Isto se refere à cruz não como um objeto de fé, e sim como uma experiência na alma. Os benefícios legais do Calvário são recebidos por meio de crer, quando a culpa do pecado é cancelada, mas as virtudes experimentais da cruz de Cristo são desfrutadas apenas quando somos conformados, de modo prático, “com ele na sua morte” (Fp 3.10). É somente quando aplicamos a cruz, diariamente, ao nosso viver e regulamos nosso comportamento pelos princípios dela, que a cruz se torna eficaz sobre o poder do pecado que habita em nós. Não pode haver ressurreição onde não há morte; não pode haver um andar prático, “em novidade de vida”, enquanto não levamos “no corpo o morrer de Jesus” (2 Co 4.10). A cruz é a insígnia, a evidência do discipulado cristão. É a cruz de Cristo e não o credo dEle que faz a distinção entre um verdadeiro seguidor de Cristo e os religiosos mundanos.

Ora, em o Novo Testamento a “cruz” representa realidades definidas. Primeiramente, a cruz expressa o ódio do mundo. O Filho de Deus não veio para julgar, e sim para salvar; não veio para castigar, e sim para redimir. Ele veio ao mundo “cheio de graça e de verdade”. O Filho de Deus sempre estava à disposição dos outros: ministrando aos necessitados, alimentando os famintos, curando os enfermos, libertando os possessos de espíritos malignos, ressuscitando mortos. Ele era cheio de compaixão — manso como um cordeiro, totalmente sem pecado. O Filho de Deus trouxe consigo boas-novas de grande alegria. Ele buscou os perdidos, pregou aos pobres, mas não desprezou os ricos; e perdoou pecadores. De que modo Cristo foi recebido? Que boas-vindas os homens Lhe ofereceram? Os homens O desprezaram e rejeitaram (Is 53.3). Ele disse: “Odiaram-me sem motivo” (Jo 15.25). Os homens sentiram sede do sangue de Jesus. Nenhuma morte comum lhes satisfaria. Exigiram que Jesus fosse crucificado. Por conseguinte, a cruz foi a manifestação do ódio inveterado do mundo para com o Cristo de Deus.

O mundo não se alterou, assim como o etíope ainda não mudou a sua pele e o leopardo, as suas manchas. O mundo e Cristo ainda estão em antagonismo. Por isso, a Bíblia afirma: “Aquele, pois, que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus” (Tg 4.4). É impossível andarmos com Cristo e gozarmos de comunhão com Ele, enquanto não tivermos nos separado do mundo. Andar com Cristo envolve necessariamente compartilhar de sua humilhação — “Saiamos, pois, a ele, fora do arraial, levando o seu vitupério” (Hb 13.13). Foi isso o que Moisés fez (ver Hb 11.24-26). Quanto mais intimamente eu estiver andando com Cristo, tanto mais incorretamente serei compreendido (1 Jo 3.2), tanto mais serei ridicularizado (Jó 12.4) e odiado pelo mundo (Jo 15.19). Não cometa erro neste ponto: é totalmente impossível ser amigo do mundo e andar com Cristo. Portanto, tomar a cruz significa que eu desprezo voluntariamente a amizade do mundo, recusando conformar-me com ele (Rm 12.2). Que me importa a carranca do mundo, se estou desfrutando do sorriso do Salvador?

Tomar a cruz significa uma vida de sujeição voluntária a Deus. No que concerne à atitude de homens ímpios, a morte de Cristo foi um assassinato. Mas, no que se refere à atitude do próprio Senhor Jesus, a sua morte foi um sacrifício espontâneo, uma oferta de Si mesmo a Deus. Foi também um ato de obediência a Deus. Ele mesmo disse: “Ninguém a tira de mim [a vida dEle]; pelo contrário, eu espontaneamente a dou. Tenho autoridade para a entregar e também para reavê-la” (Jo 10.18). E por que Ele a entregou espontaneamente? As próximas palavras do Senhor Jesus nos dizem: “Este mandato recebi de meu Pai”. A cruz foi a suprema demonstração da obediência de Cristo. Nisto, Ele é nosso exemplo. Citamos novamente Filipenses 2.5: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus”. Nas palavras seguintes, vemos o Amado do Pai assumindo a forma de um servo e “tornando-se obediente até à morte e morte de cruz”.

Ora, a obediência de Cristo tem de ser a obediência do cristão — voluntária, alegre, irrestrita, contínua. Se esta obediência envolve vergonha e sofrimento, menosprezo e perdas, não devemos vacilar; pelo contrário, temos de fazer o nosso “rosto como um seixo” (Is 50.7). A cruz é mais do que um objeto da fé do cristão, é a insígnia do discipulado, o princípio pelo qual a vida do crente deve ser regulada. A cruz significa entrega e dedicação a Deus — “Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional” (Rm 12.1).

A cruz representa sofrimento e sacrifício vicários. Cristo entregou sua própria vida em favor de outros; e os seguidores dEle são chamados a fazerem espontaneamente o mesmo — “Devemos dar nossa vida pelos irmãos” (1 Jo 3.16). Esta é a lógica inevitável do Calvário. Somos chamados a seguir o exemplo de Cristo, à comunhão de seus sofrimentos, a sermos cooperadores em sua obra. Assim como Cristo “a si mesmo se esvaziou” (Fp 2.7), assim também devemos nos esvaziar. Cristo “não veio para ser servido, mas para servir” (Mt 20.28); temos de agir da mesma maneira. Assim como Cristo “não se agradou a si mesmo” (Rm 15.3), assim também não devemos agradar a nós mesmos. Como o Senhor Jesus sempre pensou nos outros, assim devemos nos lembrar “dos encarcerados, como se presos com eles; dos que sofrem maus tratos”, como se fôssemos nós mesmos os maltratados (Hb 13.3).

“Quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por minha causa achá-la-á” (Mt 16.25). Palavras quase idênticas a estas se encontram também em Mateus 10. 39, Marcos 8.35, Lucas 9.24; 17.33, João 12.25. Esta repetição certamente é um argumento em favor da profunda importância de prestarmos atenção e atendermos às palavras de Cristo. Ele morreu para que vivêssemos (Jo 12.24); devemos agir de modo semelhante (Jo 12.25). Assim como Paulo, devemos ser capazes de afirmar: “Em nada considero a vida preciosa para mim mesmo” (At 20.24). A “vida” de satisfação do “eu” neste mundo é perdida na eternidade. A vida que sacrifica os interesses do “eu” e se rende a Cristo, essa vida será achada novamente e preservada em toda eternidade.

Um jovem que concluíra a universidade e tinha perspectivas brilhantes respondeu à chamada de Cristo para uma vida de serviço para Ele na Índia, entre as classes mais pobres. Seus amigos exclamaram: “Que tragédia! Uma vida desperdiçada!” Sim, foi uma vida “perdida” para este mundo, mas “achada” no mundo por vir.

O Reino, antes de tudo! (Um sermão em Lucas 12. 22-34)

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Por Gabriel Felipe M. Rocha
Junho de 2015/ Belo Horizonte- MG

Introduzindo:

Desde sua queda no Éden (Gn 3. 1-7), o homem se vê frente à tarefa de buscar, com esforço e trabalho, o próprio pão. Isso, até “voltar para o pó” de onde fora formado (Gn 3.19). Pois, diante do pecado da desobediência, o mesmo recebe do Criador uma imediata sentença, a saber, a sentença da morte (Rm 6.23). Junto dessa, a sentença da submissão à ordem natural (Gn 3. 16-19). O homem, mesmo com uma especial e determinada autoridade e inteligência para transformar seu mundo, passou a ser um subalterno da terra. Ou seja, a criatura que fora criada para um relacionamento santo e abundante com o Eterno, via-se, ali, distante e em inimizade com Deus, recebendo do Criador o justo castigo pela desobediência (ver Rm 3.23).

A humanidade dominaria a terra, sendo o homem a única criação dotada de uma imagem e de uma semelhança em relação ao Criador (Gn 1.26). Ou seja, como “imagem”, o homem – em todo o seu ser (alma e corpo) – passou a ser uma representação fiel de Deus, possuindo vida proveniente dele, razão e consciência de si próprio e potencial de intimidade com Ele (o que os outros seres criados não tinham). Como “semelhança”, o homem passou a ser uma criatura com autoridade, racionalidade e poder de deliberação, algo que as outras criaturas também não experimentavam e não experimentam ainda hoje, além do instinto próprio. Em suma, dentro da ordenação divina, o homem não teria necessidade alguma, pois todas seriam imediatamente supridas.

No entanto, com o castigo, o homem passou a ser uma criatura que, mesmo dotada ainda de uma especial estrutura (imagem e semelhança do Criador), provaria, desde então, do trabalho e da morte, como um ser finito e situado em seu mundo. Um ser que, como os outros seres, ia se submeter, agora, ao espaço-tempo de seu mundo, trabalhando incessantemente, envelhecendo e morrendo. Desse modo, surge paralelo ao seu castigo a constante e profunda aspiração pela sua auto-realização, satisfação e suprimento de suas necessidades e carências. Assim como (também) a sua profunda, essencial e instigante tentativa de evitar a morte, projetando – desde as primeiras comunidades humanas –, meios, sentido, modelos de vida, crenças, normas e condutas (ou seja, a cultura) como uma evidencia de sua constitutiva aspiração pela vida, pela transcendência, pelo infinito e pelo sentido da própria existência.

Contudo, é claro, foi vã a busca da humanidade que – afastada espiritualmente e fisicamente do Criador – nunca conseguiu alcançar sua plena realização, felicidade, liberdade, paz e re-ligação com o Criador. Por causa do nosso pecado, fomos um dia afastados do Reino celeste, pois as obras do mal e das trevas não são compatíveis com o Bem e com a Luz. Mesmo projetando para si interessantes religiões, variedades de crenças e pluralidade de deuses, o afastamento continuou como sentença imutável para os inimigos de Deus.

Portanto, o que marca a vida humana, desde os primórdios é a dinâmica (e sempre preocupante) solicitude pela própria vida. O homem é um ser que, diferente dos outros seres, está sempre preocupado com o amanhã. Ele vive ansioso. Vive trabalhando e ajuntando bens e valores para envelhecer bem e, muitas vezes, sem poder desfrutar de tudo o que juntou ao longo de sua vida temporal e limitada.

Talvez, você (homem, mulher, jovem, idoso, esteja nesta situação. Está sobrecarregado, aflito, sobremaneira ocupado ajuntando bens, sem tempo para Deus, cansado e, até mesmo, angustiado. Talvez você faz parte daqueles que já provaram da luz e já ouviram a proposta do Evangelho, mas recusaram o convite para o banquete, pois, a solicitude desse vida fez com que você não tivesse tempo, disposição, interesse ou crédito para aceitar o convite do Reino.

E é falando sobre isso que Jesus nos passa o seu ensino. Antes do contexto de “[…] Buscai, antes de tudo, o seu reino, e estas coisas vos serão acrescentadas […]” (Lc 12. 31), nota-se que a temática abordada por Jesus sobre as solicitudes da vida humana inicia-se, na verdade, nos versículos de 13 a 21 do mesmo capítulo, quando o Mestre trata da questão da avareza.

No versículo 13, um indivíduo entre a multidão apresenta uma causa de nível judicial a Jesus:

“ordena que meu irmão reparta comigo a herança”.

Jesus tão logo o responde negando ser uma espécie de “juiz” ou “repartidor”, como ele mesmo cita. Contudo, lança um ensinamento sobre a questão da avareza e, logo, discorre a respeito do valor que há na vida humana.

Desenvolvendo:

“Tende cuidado e guardai-vos de toda e qualquer avareza; porque a vida de um homem não consiste na abundancia dos bens que ele possui” (v. 15).

Aqui reside um ponto interessante a respeito da vida humana e da graça divina. A recomendação de Jesus para se guardar de qualquer avareza, sendo a vida humana algo que não consiste na abundancia de bens que um homem possa adquirir, nos remete a uma verdade:

A)

Há um limite entre a real solicitude pela a própria vida (que sempre vai partir da consciência da pessoal dependência de Deus como o provedor, assim como a fé operante na sua provisão. veja o que diz o Sl 23) e a avareza (que implica no amor pelo dinheiro, pelos bens materiais, pelos valores pessoais, etc.)

B)
A vida humana, mesmo culpada de seu pecado e mesmo debaixo de uma justa condenação, continua participando da ordem e da determinação divina. Olhando para o mundo hoje e vendo tantas guerras, fomes, pestilências, desastres naturais e maldade, podemos até pensar que Deus abandonou o mundo e o entregou totalmente ao maligno, mas isso não é verdade. Embora o mundo padeça no maligno (1 Jo5. 19) e o príncipe deste mundo tenha ainda poder para tentar, perseguir e atribuir-se de alguma autoridade sobre pessoas, coisas e situações (dentro dos limites impostos pelo próprio Deus), o Eterno é quem está sob o controle. Ele é soberano! Ele cuida de todas as coisas e todas as coisas estão debaixo de seu ilimitado poder (Sl 22. 28; Sl 145. 9-16). E, assim como nenhuma folha cai no chão sem o conhecimento de Deus, a vida humana está debaixo da soberania do mesmo Deus. Todo homem participa da graça comum (Mt 5.45; Rm 1.20). Portanto, para os desesperados, ansiosos, aflitos, avarentos, dispersos, ocupados, cansados, e sobrecarregados, há a provisão de Deus, mas a esperança capaz de saciar o desejo da alma humana é para os que buscarem de todo o coração o Deus Criador e Abençoador em arrependimento e genuína regeneração. Diante da grandeza de Deus, anunciada pelas obras de suas mãos, venha e se lance aos pés do Salvador. Venha a Cristo, pois, de todas as provisões, Ele é a maior provisão de Deus para aquele que ao qual o Pai desejou dar o Reino. Pode ser que Deus tenha misericórdia de sua vida, ó avarento! Pode ser que Deus te perdoe, ó disperso e ocupado com as coisas deste mundo! Pode ser que Deus te alivie e te acrescente, ó aflito e necessitado! Há um Reino cujo convite é este:

“Vinde a mim todos que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei […]” (Mt 11: 28).

Ao homem cabe buscar a cada dia seu pão, mas Deus é quem supre tudo e todos. Mas há um convite especial e esse convite se resume em crer que Jesus Cristo é a provisão de Deus para a redenção humana, sendo Ele o Filho de Deus e altamente capaz e suficiente para perdoar a nossa dívida diante do Pai e eficientemente capaz de nos oferecer paz, cuidado, descanso e, sobretudo, certeza da salvação. O convite ao Reino é esse: “vinde a mim”. Para entrar e fazer parte do Reino, é preciso passar pela porta principal e essa porta é Cristo.
Outra verdade que pode ser extraída da resposta de Cristo no v. 15 do capítulo 12 de Lucas é esta:

C)
Quando Jesus afirma que a vida humana não consiste na abundancia de bens, Ele está dizendo exatamente que a vida humana é muito mais que isso. Muito mais que bens materiais, mesmo os mais básicos para a sobrevivência humana. E quando Ele (em Mt 11. 28-30) convida a todos os cansados e sobrecarregados para virem a Ele, o Mestre está implicitamente mostrando-nos que o fim para o excesso de preocupação, ocupação e amor ao dinheiro, bens e ao bem-estar só pode ser o cansaço e a sobrecarga, pois, a vida humana é sempre mais que isso. Mesmo conseguindo tudo nesta vida, a sobrecarga continua. Mesmo rodeado de bens, a ausência de paz permanece. Por quê? Porque há em cada ser humano (crente e não crente) uma atualidade infinita de ser que o faz aspirar sempre algo exterior à sua contingência, limitação, finitude e situação. O homem (mesmo em pecado, sem Deus e, portanto, impossibilitado totalmente de “escolher” Deus), deseja profundamente a transcendência, pois, em sua estrutura há uma essencial abertura ao infinito, pois, com o sopro do infinito fora criado. Para a glória de Deus foi criado.

Dada à sua depravação e impossibilidade de discernimento espiritual, tem buscado o sentido de sua existência nas coisas contingentes que participam da mesma finitude e situação de seu mundo. Os bens materiais, o dinheiro, o conforto, etc. são importantes, mas não podem garantir a plena vida ao homem. Nada podem acrescentar ao homem no que diz respeito à sede de sua alma.

O homem não é só seu corpo, mas ele é alma e o aspecto espiritual que também forma sua estrutura pede sempre mais. O homem é, desse modo, um eterno insatisfeito. Porém, só é eterno insatisfeito quando não tem um real encontro com Cristo.

Jesus disse:

“Que aproveita o homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?”. E “Que daria um homem em troca de sua alma?” (Mc 8. 36,37).

Como disse R. C. Sproul: “Jesus pôs uma etiqueta de preço bem alto no valor da alma humana”. E isso é verdade! Portanto, meus amados, nós não podemos desperdiçar a nossa alma no vazio, num Cristo vazio pregado pelos religiosos, pragmáticos e liberais. Não podemos oferecer nada à nossa alma edificando a nossa existência nos bens, valores e coisas deste mundo. Não podemos desperdiçar a nossa alma buscando o real sentido de nossa existência na satisfação individual.

Em 1 João, há uma clara distinção entre “os que são do mundo” e “os que são filhos de Deus” (1Jo 1. 15-17). Nós que cremos em Cristo não podemos agir como os que não crêem, pois os que não crêem nutrem suas esperanças nas coisas terrenas, mas os filhos de Deus nutrem suas esperanças nas coisas que são de cima (Cl 3. 1-4). E isso, definitivamente, implica uma postura diferente para ambos os lados.

Os filhos deste mundo são individualistas e amam a si próprios. Trabalham, ajuntam, se apegam, consomem, lucram, mas só pensam em si mesmos. Já os filhos de Deus, segundo a própria conceituação joanina, amam o seu próximo e vive em comunhão, pois têm a Deus como Pai (1 Jo 2. 1-11). Em outras palavras, há uma diferenciação drástica entre o reino das trevas e o Reino da Luz. Em qual você tem sido cidadão? Não será a sua denominação religiosa quem definirá isso, mas, tão logo, suas atitudes e as obras de sua fé. Tem buscado, antes de tudo, o Reino de Deus ou tem depositado suas esperanças nas coisas terrenas?

Atentem-se! Existe uma condenação! “O que não crê já está julgado”! (Jo 3. 18). Não esperar em Deus e não buscar nele nossos anseios, necessidades e sustento para esta vida é ausência de confiança. Ausência de confiança nada mais é do que ausência de fé. Portanto, quem não crê, está já condenado. Venha você que está cansado e sobrecarregado! Pode ser que Deus te aceite se, com todo o coração, crer e se arrepender. Há em Cristo a esperança! Há em Cristo o sentido para a existência! Há em Cristo o cuidado e o amor do Pai. Há em Cristo uma novidade de vida.

No capítulo 12 do Evangelho de Lucas, desde o versículo 13 à exortação de Cristo para se buscar, antes de tudo o Reino, há essencialmente duas classes de pessoas:

1) A primeira diz respeito da multidão, representada pelo anônimo homem que falou ao Mestre sobre a divisão da herança.

A multidão, desde o ministério de Cristo nesta terra, segue a Jesus, busca a Jesus, mas, geralmente, não quer um compromisso com o Reino. Uma prova disso está nos quatro Evangelhos. Os tais não relatam “uma multidão” integralmente envolvida nos eventos de maior comunhão em todo o relato bíblico neotestamentário. Falo, por exemplo, das missões comissionadas aos discípulos, da Santa Ceia, do dia de Pentecostes, das aparições de Cristo, da assunção de Cristo aos céus, etc. Mas, por outro lado, a multidão estava em meios aos milagres e em meio aos sermões, pois esses ativavam alguns interesses terrenos da mesma. Os milagres eram bons, pois atendiam algumas carências e necessidades entre a multidão. Alguns sermões sobre o Reino de Deus eram interessantes em alguns pontos, pois pareciam pressupor uma reação contra o governo romano estabelecido ali. Podemos lembrar-nos do sermão pregado por Cristo (em João 6. 27-65). Logo após a mesma multidão ter presenciado um milagre de multiplicação de pães e peixes (João 6. 1-14), as palavras posteriores foram bastante indigestas. Não gostaram do sermão! Escandalizaram-se quando Cristo se revelou como o Pão que desceu do céu e que era necessário comer de sua carne e beber de seu sangue. Saíram logo dali. Não conheciam o Cristo “real”, mas aguardavam um revolucionário que atendesse seus anseios imediatos, multiplicando sempre o pão e o peixe, curando e afrontando autoridades. Isso evidencia o total apego pelas coisas terrenas. A esperança estava amplamente fincada no mundo e não no céu. Jesus falava do Reino de Deus. E, para conhecer e participar do reino de Deus, seria (e continua sendo) necessário comer da carne e berber do sangue. Muitos hoje se escandalizam e voltam para os vales para tomarem conta de suas tantas e preocupantes coisas. Comer a carne de Cristo e beber de seu sangue implica total envolvimento com o Cristo. Implica participar de suas aflições e de sua glória. Implica fazer parte de seu corpo. Implica ter uma comunhão real com Ele. Implica estar cheio dele, cheio do Santo Espírito dele. E isso não tem sido para a multidão, mas apenas para os discípulos genuínos. Ser cidadão do Reino implica algumas renúncias e algumas posturas. Contudo, Jesus, nosso Senhor, aliviou toda a nossa carga quando na cruz derramou seu sangue para o perdão nosso. O convite está posto: “Vinde a mim todos que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei”.

Aquele anônimo que pede para Cristo julgar uma causa sua (que envolve uma repartição de herança) conheceu o Jesus- juiz e o Jesus partidor, mas não conheceu o Cristo Libertador, Salvador, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da paz, Conselheiro, maravilhoso, etc. Ignorou o Reino, dando primazia à briga pela repartição da herança. Vale lembrar que a multidão só participou de um grande momento do Evangelho do Reino, a saber, a crucificação de Jesus na qual uma multidão brava pedia para que o crucificassem naquela hora. Nem mesmo a boa recepção de Cristo em Jerusalém diminuiu a culpa daquela multidão.

2) A segunda classe de pessoas diz respeito dos discípulos:

Citei apouco João 6. 27-65. Note que em 6. 66 está registrado que muitos discípulos abandonam a Cristo diante do duro sermão. A partir dali já não eram mais discípulos e passaram para o grupo da multidão. Discípulo segue. Simplesmente! Discípulo deixa tudo para seguir (Mt 19.29).

O discípulo é aquele que, se preciso for, deixa casa, pais, irmão e irmã, mulher e filhos por amor de Cristo. Isso parece muito duro! É uma proposta duríssima e até soa um pouco injusta. “Como assim? Deixar casa, pais, esposa, filhos…”. Pois é! Se for preciso, essa é a proposta na qual o verdadeiro discípulo está disposto a cumprir. Logicamente, Deus não nos tem pedido isso. Muito pelo contrário, a Bíblia está cheia de admoestações a respeito dos cuidados que devemos ter com a nossa família, nossa casa e, até mesmo, nossas riquezas, bens, valores, etc. A proposta do Evangelho não é uma vida marcada por um tipo de platonismo, totalmente desligada das coisas terrenas. Isso se chama alienação e Evangelho não implica em alienação. Mas a força da expressão de Cristo é exatamente essa: se necessário for, o discípulo deve deixar tudo e seguir. Isso fala também de: a carreira do discípulo (algo que é proposto a todo crente sem exceção) implica na primazia ao reino de Deus. O que é dar primazia ao Reino de Deus? É valorizar acima de tudo os interesses do Reino. Lembremo-nos das palavras de Jesus sobre os dois principais mandamentos (Mt 22. 38). Ambos pressupõem o cumprimento de toda a Lei, certo? Pois então, veja que estão neles os interesses centrais do Reino. Primeiro: amar a Deus acima de todas as coisas. Isso implicará em uma série de posturas como:

1) Guardar os mandamentos (Jo 15. 10-15);
2) Santificação;
3) Vida de oração e leitura bíblica;
4) Vida de testemunho e real adesão ao Evangelho;
5) Vida frutificada para a glória de Deus.

Segundo: amar o próximo como a si mesmo. E isso, igualmente, implica numa série de posturas que, também, condizem com a proposta do Reino de Deus, a saber:

1) Vida que evidencia os frutos do Espírito Santo;
2) Vida piedosa;
3) Vida que compartilha;
4) Vida que acolhe;
5) Vida que evangeliza e ganha almas para Cristo.

Está aí, portanto, o cumprimento de toda a justiça! Está aí o Reino de Deus como a prioridade na vida do verdadeiro discípulo de Cristo. O cidadão do Reino ama o seu Senhor e Rei acima de tudo, pois está convencido pelo Espírito Santo de que Jesus Cristo é Filho do Deus Altíssimo, Senhor e Rei. O cidadão do Reino ama o seu Deus e ama as suas leis. O cidadão do Reino, enquanto (ainda) habitante deste mundo, sabe que o seu Deus provê tudo e não anda sobremaneira preocupado a ponto de se afastar da luz. Suas preocupações são logo depositadas em oração e súplicas aos pés do Rei. Em Deus ele espera. Em Deus ele também sabe padecer de algumas faltas. Como disse Paulo: “Tanto sei estar humilhado como também ser honrado, de tudo e em todas as circunstâncias […] posso todas as coisas naquele que me fortalece”, (Fp 4. 12,13). O cidadão do Reino vê o outro como um “outro eu”, por isso é cheio de compaixão e misericórdia. O cidadão do Reino se coloca tão logo no lugar do outro. O cidadão do Reino prega a Palavra, ama as almas perdidas e busca trazê-las para a Luz. Eis o Reino estabelecido na vida daquele que ama o seu Deus acima de todas as coisas e ama o próximo como a si mesmo. Uma nação santa se estabelece através da vida do real discípulo de Jesus Cristo.

Logo após Jesus falar sobre a avareza, partindo da resposta que deu àquele homem entre a multidão, solícito pela sua herança, discorre para a importância de se valorizar primeiro o Reino, antes de todas as outras coisas.

Note que no versículo 22 Jesus dirige-se aos seus discípulos. Há uma verdade a ser considerada neste ponto: a admoestação para se priorizar o Reino é dada aos discípulos à parte da multidão. Por quê? Porque, como falamos agora a pouco, a multidão não quer decisivamente um compromisso com o Reino, pois não quer assumir um compromisso com o Cristo. Mas o discípulo verdadeiro sim. Por isso, a advertência para se valorizar o reino pertence aos que foram chamados para o Reino. Valorizar o Reino é questão que envolve, sobretudo, fé e, sabemos que a fé não pertence a todos. De igual modo, nós sabemos que a falta de fé faz com que o homem permaneça em sua própria condenação. E a vida sem fé é evidenciada, principalmente, pela falta de confiança em Deus para todas as coisas.

Do versículo 22 ao versículo 27, algumas considerações podem ser tiradas:

1) A preocupação com as riquezas deste mundo é, portanto, sinal de incredulidade: “Ora, se Deus veste assim a erva que hoje está no campo e amanhã é lançada no forno, quanto mais se tratando de vós, homens de pequena fé!” (v. 28). A exacerbada solicitude pela vida supõe falta de confiança em Deus, falta de fé na Palavra de Deus e tais modos revelam a vida daquele que não atendeu o convite para o Reino. Há uma condenação!

2) A preocupação com as coisas desta vida podem implicar em infidelidade a Deus, pois o crente fiel sabe que Deus cuida dos seus e, portanto, segue a Cristo e anseia por um relacionamento com seu Deus. Pelo contrário, o solícito se afasta de Deus quando se volta para suas preocupações e ocupações terrenas, esquecendo-se de Deus e de seu próximo. Ou seja, ele descumpre os dois importantes mandamentos ensinados por Cristo. Portanto, o Reino não o pertence. O mundo sim o pertence:

“Não ameis o mundo nem o que no mundo há. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele. Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne e a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não é do Pai, mas do mundo. E o mundo passa, e a sua concupiscência; mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre” (1 Jo 3. 15-17).

3) O excesso de preocupação e a falta de zelo pelas coisas mais importantes, como o cuidado da própria alma e a missão cristã (que cabe a todo crente sem exceção no Evangelho), produz uma vida estática e improdutiva. Por que improdutiva? Porque, embora os solícitos pela vida trabalhem e produzem muito, nada acrescentam para a vida eterna e seus dias são dias que, naturalmente, mais se aproximam para a morte e para a condenação. O ansioso, conforme diz Cristo, não pode acrescentar nenhum côvado ou nenhuma hora a mais para sua vida (v. 25). Pelo contrário, o discípulo que valoriza o Reino, acrescenta à sua vida, além dos cuidados e provisões de Deus (Sl 145. 9-16), a abundancia de vida eterna, sendo essa a finalidade do Reino. Como disse nosso Senhor:

“Trabalhai não pela comida que perece, mas pela que subsiste para a vida eterna, a qual o Filho do Homem vos dará; porque Deus, o Pai, o confirmou com seu selo” (Jo 6. 27).

4) A excessiva solicitude pela vida pode fazer com que o crente caia em diversas tentações, pecados, ruínas e perdições. Pois, como Paulo adverte a Timóteo, “os que querem ser ricos caem em tentação e em laço e em muitas concupiscências loucas e nocivas que submergem os homens na perdição e ruína, Porque o amor do dinheiro é a raiz de toda espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé e se transpassaram a si mesmo com muitas dores” (1Tm 6. 9,10).

5) A exagerada solicitude pela vida, além de significar ausência de fé e confiança e evidenciar um preocupante amor ao mundo, é também uma espécie de rebelião. Por quê? Porque a vida humana tem muito mais valor que todos os exemplos dados por Cristo nesta passagem bíblica. A erva, o corvo, os lírios e o próprio corpo corruptível do homem não são maiores que a própria vida humana e desta cabe a Deus cuidar e prover. O homem insensato não confia na provisão divina e evidencia desse modo a sua inimizade com o Criador. Evidencia sua rebeldia. Evidencia sua auto-suficiência.

Mas, embora muitas coisas sejam importantes para a nossa existência neste mundo, para nossa saúde, bem estar, etc., a maior importância está na busca pelo Reino. A busca (ou a primazia) pelo Reino implica em:

1) Buscar a Deus e depositar nele toda a confiança;
2) Amar a Deus sobre todas as coisas, amando e seguindo seus mandamentos;
3) Se fiel em tudo;
4) Crescer em graça e conhecimento e dar muitos frutos;
5) Procurar o caminho da santidade;
6) Realizar a obra do Pai e proclamar o Evangelho
7) Servir o seu próximo/ amparar o próximo em tudo que for necessário e possível;
8) Aguardar em fidelidade e serviço a volta de Jesus Cristo.

Valorizar, antes de tudo, o Reino de Deus, não supõe jamais o descaso com as outras coisas. Em todo país ou reino, a família, o trabalho, os filhos, a saúde, o bem-estar, e boa educação e formação acadêmica, o entretenimento e tantas outras coisas são importantes para a qualidade do país ou do reino. No Reino de Deus é semelhante. Cuidando e valorizando as coisas de Deus, todas as outras estão já incluídas. Porém, com uma considerável diferença: enquanto aqui, corremos atrás da boa saúde, da boa educação, do bom trabalho, da comida, da bebida, das roupas, do lazer, etc. Mas no reino celestial seremos satisfeitos em tudo, pois receberemos com Cristo a Herança eterna.

Na carta aos colossenses, Paulo fala com os santos que foram chamados para a salvação para que esses dêem graças ao Pai que os fizeram “idôneos à parte que vos cabe da herança dos santos na luz” (Cl 1. 12). De fato, há uma herança eterna! Se há uma herança eterna prometida para os que estão em Cristo, há – também para esta vida – a certeza do cuidado e da provisão de Deus. Não importa o muito ou o pouco, Deus cuida daqueles que fazem parte do Reino. Citei agora a carta aos colossenses. Pois bem, veja que Paulo registra tal esperança pela herança dos santos, mas antes os convida a participarem efetivamente do Reino que a eles também foi oferecido por Deus (Cl 1. 9-11). O convite ao reino é um convite para uma nova postura em Cristo! O Reino pertence aos que foram perdoados e remidos pelo sangue de Cristo. Vir ao Reino implica numa vida santa, honesta, fortalecida e firmada em Cristo, digna, exemplar e em constante crescimento para a glória de Deus. O Reino é para os que estão com Cristo e Cristo é o sentido de nossa existência.

Cristo é o sentido! É o perdão. Ele é a reconciliação pelo seu sangue com o Criador. Ele é a esperança nossa para vencer a morte. Ele venceu a nossa morte! Ele é a esperança da vida eterna! Seu Reino é eterno! Ele é quem faz com o homem creia que há um Deus que cuida de tudo e que, antes de tudo, há um Reino. Se há um Reino, há uma “nova cultura”, a saber, a cultura do Reino. Existindo uma “nova cultura”, há uma nova postura quando – por fé – se adere à mensagem do Reino. A saber, a mensagem do santo Evangelho.
O convite, então, continua posto:

“Vinde a mim todos que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei […]” (Mt 11: 28).

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Um sinal claro de maturidade cristã

Acredito que todos nós sabemos que, como cristãos, estamos destinados a crescer e amadurecer. Nós iniciamos na fé como crianças e precisamos nos desenvolver até sermos adultos. Os autores do Novo Testamento insistem que todos nós devemos fazer esta transição, do leite para a carne, da mesa das crianças para os jantares de adulto. E apesar de estarmos cientes que devemos passar por este processo de amadurecimento, muitos de nós tendem a medir maturidade de formas erradas. Somos facilmente enganados. Eu acho que isso é especialmente verdade em uma tradição como a Reformada, que (com razão) coloca uma forte ênfase no ensino e nos fatos da fé.

Quando Paulo escreveu a Timóteo, ele fala sobre a natureza e propósito da Bíblia: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2 Timóteo 3.16-17). A palavra perfeito está relacionada à maturidade. Paulo diz que Timóteo, e por extensão eu e você, somos incompletos, inacabados e imaturos. A Bíblia é o meio que Deus usa para nos finalizar e completar, trazendo-nos à maturidade.

Mas o que significa ser um Cristão maduro? Penso que tendemos a acreditar que os Cristãos maduros são aqueles que sabem um monte de coisas sobre a Bíblia. Cristãos maduros são aqueles que têm sua teologia de cor e salteado. Mas veja o que Paulo diz: “A fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra”. Paulo não diz: “A fim de que o homem de Deus seja perfeito e conhecedor da Bíblia de trás para frente”, ou “Afim de que o homem de Deus seja perfeito e capaz de explicar e definir o supralapsarianismo versus o infralapsarianismo.” Ele não diz: “Afim de que o homem de Deus seja perfeito e capaz de prover um esboço estruturado de cada uma das epístolas de Paulo.” Todas essas coisas são boas, mas elas não são a ênfase de Paulo. Elas podem ser sinais de maturidade, mas também podem mascarar imaturidade.

Quando Paulo fala sobre perfeição e maturidade, ele aponta para ações, para atitudes, para “toda boa obra”. A Bíblia tem o poder de nos amadurecer, e conforme nos comprometemos a leitura, compreensão e obediência, necessariamente crescemos na fé. Essa maturidade é mais evidenciada nas boas obras que fazemos do que no conhecimento que recitamos. E isso é exatamente o que Deus quer de nós – que sejamos maduros e benfeitores amadurecidos que se deleitam em fazer o bem para os outros. Essa ênfase em boas obras é um tema significante no Novo Testamento (veja Efésios 2.10, Tito 2.14, etc) e a própria razão pela qual Deus nos salvou.

É claro que fatos e ações tem relação entre si, de modo que isto não é um apelo para negligenciar a leitura, o estudo e o entendimento da Bíblia. De modo nenhum! Quanto mais você conhece da Bíblia, mais você pode ensinar, reprovar, corrigir e treinar a si mesmo de uma forma que modele suas ações a te incentivar a fazer as melhores obras da melhor forma pela melhor razão. Mais conhecimento de Deus através de sua Palavra deveria conduzir a um maior e melhor serviço aos outros.

Mas, no fim das contas, Cristo viveu e morreu para “remir-nos de toda iniquidade e purificar, para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras” (Tito 2.14). Conhecimento de Deus e sua Palavra é bom. Conhecimento de Deus e sua Palavra manifestado externamente, fazendo aquilo que beneficie outros – não há nada que glorifique mais a Deus que isso.

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Pequena análise em Lucas 9: 10-17

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Logo após Jesus ter aplicado um “trabalho de campo” aos seus discípulos, enviando-os para anunciar o Evangelho, através da pregação e da cura de enfermidades (Lucas 9: 1-6), aconteceu a primeira multiplicação dos pães e peixes (Lc 9: 10-17).

O interessante nessa multiplicação foi o fato de a mesma ter como objetivo não só a simples alimentação da multidão ou a mera apresentação de poderes por Jesus Cristo. Não foi a experiência do milagre a única proposta da multiplicação, mas sim a prática do discipulado. Aliás, experiências que não geram ação, são experimentalismos vazios. Evangelho é ação!

O Evangelho torna-se efetivo quando o próximo é reconhecido através dos meus atos. Ser discípulo é aprender a agir conforme quer o Mestre, na total dependência e obediência ao Mestre. Por isso mesmo, no ato de comissionar seus discípulos à tarefa de sair e pregar o Evangelho, Jesus ensinou que:

A) É Ele quem convoca (v.1), sendo Deus quem nos chama;
B) É Ele quem nos capacita para o trabalho, concedendo-nos poder, talentos e dons (v.1);
C) É Ele quem nos envia e dá total condição para o cumprimento do serviço (v.2, 3);
D) É nele que devemos colocar nossa confiança e não em nossos próprios recursos (v.3);
E) E, por fim, nós devemos fazer tudo conforme suas ordens e sua Palavra (v. 4-6).

Tendo passado pelo teste prático que implicava sair, ir de encontro, pregar e ter contato com o próximo, uma nova lição viria, a saber, a primeira multiplicação de pães e peixes.

Creio que dois versículos vão demonstrar com mais veemência o que quero dizer nesta análise. Esses são:

“[…] Dai-lhes vós mesmos de comer” (v.13) e, “[…] abençoou e partiu e deu aos seus discípulos para que distribuíssem entre o povo” (v.16).

Eles viram o milagre. Mas, eles puderam participar do milagre. Aí residia o ensinamento. Participar do milagre do Evangelho implica o serviço que enxerga e reconhece o próximo, o outro, o “nós” e não o “eu”. Sair e pregar é fundamental e é parte indiscutível da missão, mas o contato pode definir muita coisa positivamente.

Jesus sabia da condição de seus doze discípulos, assim como sabia também que eles não tinham alimentos suficientes para satisfazer uma multidão. Mas, quando Jesus pede para que eles mesmos dessem ao povo algo para comer, queria testá-los e chamar a atenção dos mesmos (e também a nossa) para a seguinte reflexão:

a) Não temos recurso algum para alimentar todo esse povo. Mas, temos a Palavra. É a partir da Palavra que agimos!

b) Nada podemos fazer se Deus não for conosco e operar um milagre;

c) O alimento que pode saciar o povo, não vem de nós, mas vem de Deus e sua Palavra Santa;

d) Contudo, podemos participar desse milagre, em obediência, distribuindo ao povo aquilo que vem de Deus. Esse é o nosso trabalho e a nossa missão! Fazer a vontade de Cristo é a nossa missão; Eis aí o partir do pão como responsabilidade da Igreja! Fazer a vontade de Cristo revela ao meu próximo quem é Cristo que pregamos! Portanto, palavras com ações são transformadoras.

e) De nossos poucos recursos, Deus ampliou e multiplicou, dando-nos condição de fazer aquilo que Ele pediu e nos comissionou. Portanto, é a partir de Deus que o recurso e a condição para a realização da cada tarefa é dada. Mas, é a partir de nós mesmos que a missão será cumprida.

f) Nossa missão deve ser realizada em meio ao povo, em meio à multidão e não distante deles. Cabe a nós distribuir o alimento que vem de Deus e não deixá-los famintos. É o constante repartir do pão. É a prática da comunhão. Só conhecemos a necessidade do nosso próximo se estamos, de alguma forma, perto dele. Devemos conhecer o contexto de cada um, a necessidade de cada um, o valor de cada um.. Só assim podemos orar com mais efetividade, só assim podemos pregar com mais eficiência… A Palavra de Deus, a mensagem do Evangelho é eficiente em todos os sentidos. Contudo, ela vai brotar melhor e dar mais frutos no campo mais bem preparado. Esse campo bem preparado é o campo onde o cristão genuíno trabalha e se faz presente, sempre perto e nunca longe.

Vale lembrar que, mais tarde, Jesus pergunta:

“Quem diz a multidão que eu sou?” (9:18).

Os discípulos, portanto, passam ao Mestre o relatório bem detalhado sobre a crença, sobre a expectativa e sobre o pensamento da multidão. “E, respondendo eles, disseram: João o Batista; outros, Elias, e outros que um dos antigos profetas ressuscitou” (9:19).

Só podemos conhecer a necessidade, expectativa, crença, e a realidade geral da multidão se estivermos entre a multidão. Como? Em ajuda mútua, evangelismo, ação social, exemplo pessoal, adesão séria, etc. Muitos exemplos!

Ser discípulo é seguir o Mestre em tudo! Ser bom discípulo não implica necessariamente ter os cestos cheios o suficiente para alimentar a todos, mas sim ter o cesto na mão e a real disposição para sair distribuindo o alimento. Ser discípulo é viver do milagre e, principalmente, mostrar o milagre através do exemplo, do afeto, do contato, do relacionamento e da boa influência. É salgar a carne, penetrando em todo lugar. É ser luz num mundo de trevas. É sair, ir de encontro onde o necessitado está. É estender a mão. É conhecer o contexto do outro e olhar para o mesmo com amor, tendo na consciência o amor de Cristo. Jesus Cristo é suficiente e eficiente para salvar e transformar meu próximo e Ele pode fazer isso através de minha própria vida.

Se sou salvo, logo me compadeço do meu próximo. Se compadeço, logo vou de encontro e o sirvo…

Que Deus nos capacite para o bom trabalho!
Gabriel Felipe M. Rocha (30/05/2015)

Seguindo a Deus de Perto

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“A minha alma apega-se a ti: a tua destra me ampara” (Sl 63:8.).

O evangelho nos ensina a doutrina da graça preveniente, que significa simplesmente que, antes de um homem poder buscar a Deus, Deus tem que buscá-lo primeiro.

Para que o pecador tenha uma idéia correta a respeito de Deus, deve receber antes um toque esclarecedor em seu íntimo; que, mesmo que seja imperfeito, não deixa de ser verdadeiro, e é o que desperta nele essa fome espiritual que o leva à oração e à busca.

Procuramos a Deus porque, e somente porque, Ele primeiramente colocou em nós o anseio que nos lança nessa busca. “Ninguém pode vir a mim”, disse o Senhor Jesus, “se o Pai que me enviou não o trouxer” (Jo 6:44), e é justamente através desse trazer preveniente, que Deus tira de nós todo vestígio de mérito pelo ato de nos achegarmos a Ele. O impulso de buscar a Deus origina-se em Deus, mas a realização do impulso depende de O seguirmos de todo o coração. E durante todo o tempo em que O buscamos, já estamos em Sua mão: “… o Senhor o segura pela mão” (Sl 37:24.).

Nesse “amparo” divino e no ato humano de “apegar-se” não há contradição. Tudo provém de Deus, pois, segundo afirma Von Hügel, Deus é sempre a causa primeira. Na prática, entretanto (isto é, quando a operação prévia de Deus se combina com uma reação positiva do homem), cabe ao homem a iniciativa de buscar a Deus. De nossa parte deve haver uma participação positiva, para que essa atração divina possa produzir resultados em termos de uma experiência pessoal com Deus. Isso transparece na calorosa linguagem que expressa o sentimento pessoal do salmista no Salmo 42: “Como suspira a corça pelas correntes das águas, assim, por ti, ó Deus, suspira a minha alma. A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo: quando irei e me verei perante a face de Deus?” E um apelo que parte do mais profundo da alma, e qualquer coração anelante pode muito bem entendê-lo.

A doutrina da justificação pela fé — uma verdade bíblica, e uma bênção que nos liberta do legalismo estéril e de um inútil esforço próprio — em nosso tempo tem-se degenerado bastante, e muitos lhe dão uma interpretação que acaba se constituindo um obstáculo para que o homem chegue a um conhecimento verdadeiro de Deus. O milagre do novo nascimento está sendo entendido como um processo mecânico e sem vida. Parece que o exercício da fé já não abala a estrutura moral do homem, nem modifica a sua velha natureza. É como se ele pudesse aceitar a Cristo sem que, em seu coração, surgisse um genuíno amor pelo Salvador. Contudo, o homem que não tem fome nem sede de Deus pode estar salvo? No entanto, é exatamente nesse sentido que ele é orientado: conformar-se com uma transformação apenas superficial.

Os cientistas modernos perderam Deus de vista, em meio às maravilhas da criação; nós, os crentes, corremos o perigo de perdermos Deus de vista em meio às maravilhas da Sua Palavra. Andamos quase inteiramente esquecidos de que Deus é uma pessoa, e que, por isso, devemos cultivar nossa comunhão com Ele como cultivamos nosso companheirismo com qualquer outra pessoa. É parte inerente de nossa personalidade conhecer outras personalidades, mas ninguém pode chegar a um conhecimento pleno de outrem através de um encontro apenas. Somente após uma prolongada e afetuosa convivência é que dois seres podem avaliar mutuamente sua capacidade total.

Todo contato social entre os seres humanos consiste de um reconhecimento de uma personalidade para com outra, e varia desde um esbarrão casual entre dois homens, até a comunhão mais íntima de que é capaz a alma humana. O sentimento religioso consiste, em sua essência, numa reação favorável das personalidades criadas, para com a Personalidade Criadora, Deus. “E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste”.

Deus é uma pessoa, e nas profundezas de Sua poderosa natureza Ele pensa, deseja, tem gozo, sente, ama, quer e sofre, como qualquer outra pessoa. Em seu relacionamento conosco, Ele se mantém fiel a esse padrão de comportamento da personalidade. Ele se comunica conosco por meio de nossa mente, vontade e emoções.

O cerne da mensagem do Novo Testamento é a comunhão entre Deus e a alma remida, manifestada em um livre e constante intercâmbio de amor e pensamento.

Esse intercâmbio, entre Deus e a alma, pode ser constatado pela percepção consciente do crente. É uma experiência pessoal, isto é, não vem através da igreja, como Corpo, mas precisa ser vivida, por cada membro. Depois, em conseqüência dele, todo o Corpo será abençoado. E é uma experiência consciente: isto é, não se situa no campo do subconsciente, nem ocorre sem a participação da alma (como, por exemplo, segundo alguns imaginam, se dá com o batismo infantil), mas é perfeitamente perceptível, de modo que o homem pode “conhecer” essa experiência, assim como pode conhecer qualquer outro fato experimental.

Nós somos em miniatura, (excetuando os nossos pecados) aquilo que Deus é em forma infinita. Tendo sido feitos a Sua imagem, temos dentro de nós a capacidade de conhecê-lO. Enquanto em pecado, falta-nos tão-somente o poder. Mas, a partir do momento em que o Espírito nos revivifica, dando-nos uma vida regenerada, todo o nosso ser passa a gozar de afinidade com Deus, mostrando-se exultante e grato. Isso é este nascer do Espírito sem o qual não podemos ver o reino de Deus. Entretanto, isso não é o fim, mas apenas o começo, pois é a partir daí que o nosso coração inicia o glorioso caminho da busca, que consiste em penetrar nas infinitas riquezas de Deus. Posso dizer que começamos neste ponto, mas digo também que homem nenhum já chegou ao final dessa exploração, pois os mistérios da Trindade são tão grandes e insondáveis que não têm limite nem fim.

Encontrar-se com o Senhor, e mesmo assim continuar a buscá-lO, é o paradoxo da alma que ama a Deus. É um sentimento desconhecido daqueles que se satisfazem com pouco, mas comprovado na experiência de alguns filhos de Deus que têm o coração abrasado. Se examinarmos a vida de grandes homens e mulheres de Deus, do passado, logo sentiremos o calor com que buscavam ao Senhor. Choravam por Ele, oravam, lutavam e buscavam-nO dia e noite, a tempo e fora do tempo, e, ao encontrá-lO, a comunhão parecia mais doce, após a longa busca. Moisés usou o fato de que conhecia a Deus como argumento para conhecê-lO ainda melhor. “Agora, pois, se achei graça aos teus olhos, rogo-te que me faças saber neste momento o Teu caminho, para que eu Te conheça, e ache graça aos Teus olhos” (Ex 33:13). E, partindo daí, fez um pedido ainda mais ousado: “Rogo-te que me mostres a tua glória” (Ex 33:18). Deus ficou verdadeiramente alegre com essa demonstração de ardor e, no dia seguinte, chamou Moisés ao monte, e ali, em solene cortejo, fez toda a Sua glória passar diante dele.

A vida de Davi foi uma contínua ânsia espiritual. Em todos os seus salmos ecoa o clamor de uma alma anelante, seguido pelo brado de regozijo daquele que é atendido. Paulo confessou que a mola-mestra de sua vida era o seu intenso desejo de conhecer a Cristo mais e mais. “Para O conhecer” (Fp 3:10), era o objetivo de seu viver, e para alcançar isso, sacrificou todas as outras coisas. “Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus meu Senhor: por amor do qual perdi todas as cousas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo” (Fp 3:8).

Muitos hinos evangélicos revelam este anelo da alma por Deus, embora a pessoa que canta, já saiba que o encontrou. Há apenas uma geração, nossos antepassados cantavam o hino que dizia: “Verei e seguirei o Seu caminho”; hoje não o ouvimos mais entre os cristãos. É uma tragédia que, nesta época de trevas, deixemos só para os pastores e líderes a busca de uma comunhão mais íntima com Deus. Agora, tudo se resume num ato inicial de “aceitar” a Cristo (a propósito, esta palavra não é encontrada na Bíblia), e daí por diante não se espera que o convertido almeje qualquer outra revelação de Deus para a sua alma. Estamos sendo confundidos por uma lógica espúria que argumenta que, se já encontramos o Senhor, não temos mais necessidade de buscá-lO. Esse conceito nos é apresentado como sendo o mais ortodoxo, e muitos não aceitariam a hipótese de que um crente instruído na Palavra pudesse crer de outra forma. Assim sendo, todas as palavras de testemunho da Igreja que significam adoração, busca e louvor, são friamente postas de lado. A doutrina que fala de uma experiência do coração, aceita pelo grande contingente dos santos que possuíam o bom perfume de Cristo, hoje é substituída por uma interpretação superficial das Escrituras, que sem dúvida soaria como muito estranha para Agostinho, Rutherford ou Brainerd.

Em meio a toda essa frieza existem ainda alguns — alegro-me em reconhecer — que jamais se contentarão com essa lógica superficial. Talvez até reconheçam a força do argumento, mas depois saem em lágrimas à procura de algum lugar isolado, a fim de orarem: “Ó Deus, mostra-me a tua glória”. Querem provar, ver com os olhos do íntimo, quão maravilhoso Deus é.

Ë meu propósito instilar nos leitores um anseio mais profundo pela presença de Deus. É justamente a ausência desse anseio que nos tem conduzido a esse baixo nível espiritual que presenciamos em nossos dias. Uma vida cristã estagnada e infrutífera é resultado da ausência de uma sede maior de comunhão com Deus. A complacência é inimigo mortal do crescimento cristão. Se não existir um desejo profundo de comunhão, não haverá manifestação de Cristo para o Seu povo. Ele espera que o procuremos. Infelizmente, no caso de muitos crentes, é em vão que essa espera se prolonga.

Cada época tem suas próprias características. Neste exato instante encontramo-nos em um período de grande complexidade religiosa. A simplicidade existente em Cristo raramente se acha entre nós. Em lugar disso, vêem-se apenas programas, métodos, organizações e um mundo de atividades animadas, que ocupam tempo e atenção, mas que jamais podem satisfazer à fome da alma. A superficialidade de nossas experiências íntimas, a forma vazia de nossa adoração, e aquela servil imitação do mundo, que caracterizam nossos métodos promocionais, tudo testifica que nós, em nossos dias, conhecemos a Deus apenas imperfeitamente, e que raramente experimentamos a Sua paz.

Se desejamos encontrar a Deus em meio a todas as exteriorizações religiosas, primeiramente temos que resolver buscá-Lo, e daí por diante prosseguir no caminho da simplicidade. Agora, como sempre o fez, Deus revela-Se aos pequeninos e se oculta daqueles que são sábios e prudentes aos seus próprios olhos. É mister que simplifiquemos nossa maneira de nos aproximar dEle. Urge que fiquemos tão-somente com o que é essencial (e felizmente, bem poucas coisas são essenciais). Devemos deixar de lado todo esforço para impressioná-lO e ir a Deus com a singeleza de coração da criança. Se agirmos dessa forma, Deus nos responderá sem demora.

Não importa o que a Igreja e as outras religiões digam. Na realidade, o que precisamos é de Deus mesmo. O hábito condenável de buscar “a Deus e” é que nos impede de encontrar ao Senhor na plenitude de Sua revelação. É no conectivo “e” que reside toda a nossa dificuldade. Se omitíssemos esse “e”, em breve acharíamos o Senhor e nEle encontraríamos aquilo por que intimamente sempre anelamos.

Não precisamos temer que, se visarmos tão-somente a comunhão com Deus, estejamos limitando nossa vida ou inibindo os impulsos naturais do coração. O oposto é que é verdade. Convém-nos perfeitamente fazer de Deus o nosso tudo, concentrando-nos nEle, e sacrificando tudo por causa dEle.

O autor do estranho e antigo clássico inglês, The Cloud of Unknowing (A nuvem do desconhecimento), dá-nos instruções de como conseguir isso. Diz ele: “Eleve seu coração a Deus num impulso de amor; busque a Ele, e não Suas bênçãos. Daí por diante, rejeite qualquer pensamento que não esteja relacionado com Deus. E assim não faça nada com sua própria capacidade, nem segundo a sua vontade, mas somente de acordo com Deus. Para Deus, esse é o mais agradável exercício espiritual”.

Em outro trecho, o mesmo autor recomenda que, em nossas orações, nos despojemos de todo o empecilho, até mesmo de nosso conhecimento teológico. “Pois lhe basta a intenção de dirigir-se a Deus, sem qualquer outro motivo além da pessoa dEle.” Não obstante, sob todos os seus pensamentos, aparece o alicerce firme da verdade neotestamentária, porquanto explica o autor que, ao referir-se a “ele”, tem em vista “Deus que o criou, resgatou, e que, em Sua graça, o chamou para aquilo que você agora é”. Este autor defende vigorosamente a simplicidade total: “Se desejamos ver a religião cristã resumida em uma única palavra, para assim compreendermos melhor o seu alcance, então tomemos uma palavra de uma sílaba ou duas. Quanto mais curta a palavra, melhor será, pois uma palavra menor está mais de acordo com a simplicidade que caracteriza toda a operação do Espírito. Tal palavra deve ser ou Deus ou Amor”.

Quando o Senhor dividiu a terra de Canaã entre as tribos de Israel, a de Levi não recebeu partilha alguma. Deus disse-lhe simplesmente: “Eu sou a tua porção e a tua herança no meio dos filhos de Israel” (Nm 18:20), e com essas palavras tornou-a mais rica que todas as suas tribos irmãs, mais rica que todos os reis e rajás que já viveram neste mundo. E em tudo isto transparece um princípio espiritual, um princípio que continua em vigor para todo sacerdote do Deus Altíssimo.

O homem, cujo tesouro é o Senhor, tem todas as coisas concentradas nEle. Outros tesouros comuns talvez lhe sejam negados, mas mesmo que lhe seja permitido desfrutar deles, o usufruto de tais coisas será tão diluído que nunca é necessário à sua felicidade. E se lhe acontecer de vê-los desaparecer, um por um, provavelmente não experimentará sensação de perda, pois conta com a fonte, com a origem de todas as coisas, em Deus, em quem encontra toda satisfação, todo prazer e todo deleite. Não se importa com a perda, já que, em realidade nada perdeu, e possui tudo em uma pessoa — Deus — de maneira pura, legítima e eterna.

Ó Deus, tenho provado da Tua bondade, e se ela me satisfaz, também aumenta minha sede de experimentar ainda mais. Estou perfeitamente consciente de que necessito de mais graça. Envergonho-me de não possuir uma fome maior. Ó Deus, ó Deus trino, quero buscar-Te mais; quero buscar apenas a Ti; tenho sede de tornar-me mais sedento ainda. Mostra-me a Tua glória, rogo-Te, para que assim possa conhecer-Te verdadeiramente. Por Tua misericórdia, começa em meu íntimo uma nova operação de amor. Diz à minha alma: “Levanta-te, querida minha, formosa minha, e vem” (Ct 2:10). E dá-me graça para que me levante e te siga, saindo deste vale escuro onde estou vagueando há tanto tempo. Em nome de Jesus. Amém.

SINTESE CRISTA original  kaka

Extraído do Livro o Melhor de A. W. Tozer

Adaptações de Gabriel F. M. Rocha

A Cruz É uma Coisa Radical

cruz

A cruz de Cristo é a coisa mais revolucionária que já apareceu entre os homens.
Depois que Cristo ressurgiu dos mortos, os apóstolos saíram a pregar a Sua mensagem, e o que pregaram foi a cruz. E por onde quer que fossem pelo mundo, levavam a cruz, e o mesmo poder revolucionário ia com eles, A mensagem radical da cruz transformou Saulo de Tarso e o mudou de perseguidor dos cristãos em um terno crente e um apóstolo da fé. Seu poder mudou homens maus em bons. Sacudiu a longa escravidão do paganismo e alterou completa¬mente toda a perspectiva moral e mental do mundo ocidental.
Fez tudo isso, e continuou a fazê-lo enquanto se lhe permitiu permanecer como fora originalmente, uma cruz. Seu poder se foi quando foi mudado de uma coisa de morte para uma coisa de beleza. Quando os homens fizeram dela um símbolo, penduraram-na nos seus pescoços como ornamento ou fizeram o seu contorno diante dos seus rostos como um sinal mágico para protegê-los do mal, então ela veio a ser, na sua melhor expressão, um fraco emblema, e na pior, um inegável feitiço. Como tal. é hoje reverenciada por milhões que não sabem absolutamente nada do seu poder.
A cruz atinge os seus fins destruindo o modelo estabelecido, o da vítima, e criando outro modelo, o seu próprio. Assim, ela tem sempre o seu método. Vence derrotando o seu oponente e lhe impondo a sua vontade. Domina sempre. Nunca se compromete, nunca faz barganhas, nunca faz concessão, nunca cede um ponto por amolda paz. Não se preocupa com a paz; preocupa-se em dar fim à sua oposição tão depressa quanto possível.
Com perfeito conhecimento disso tudo, Cristo disse: “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me.” Assim a cruz não só põe fim à vida de Cristo; termina também a primeira vida, a velha vida. de cada um dos Seus seguidores verdadeiros. Ela destrói o velho modelo, o modelo de Adão, na vida do crente, e lhe dá fim. Então o Deus que levantou a Cristo dos mor¬tos levanta o crente, e uma nova vida começa.


Isto, e nada menos que isto, é o cristianismo verdadeiro, embora não possamos senão reconhecer a aguda divergência que há entre esta concepção e a sustentada pelo tipo comum de cristãos conservadores hoje. Mas não ousamos qualificar a nossa posição. A cruz ergue-se muito acima das opiniões dos homens e a essa cruz todas as opiniões terão que vir afinal para julgamento. Uma liderança superficial e mundana gostaria de modificar a cruz para agradar os religiosos maníacos por entretenimento que querem divertir-se até mesmo dentro do santuário; fazê-lo, porém, é cortejar a tragédia espiritual e arriscar-se à ira do Cordeiro feito Leão.


Temos que fazer alguma coisa quanto à cruz, e só podemos fazer uma destas duas: fugir ou morrer nela. E se formos tão temerários que fujamos, com esse ato estaremos pondo fora a fé vivida por nossos país e faremos do cristianismo uma coisa diferente do que é, Neste caso, teremos deixado somente o vazio linguajar da salvação; o poder se irá juntamente com a nossa partida para longe da verdadeira cruz.


Se somos sábios, faremos o que Jesus fez: suportaremos a cruz e desprezaremos a sua vergonha pela alegria que está posta diante de nós. Fazer isso é submeter todo o esquema da nossa vida, para ser destruído e reconstruído no poder de uma vida que não se acabará mais. E veremos que é mais que poesia, mais que doce hinologia e elevado sentimento, A cruz cortará fundo as nossas vidas onde fere mais, não nos poupando nem a nós mesmos nem as nossas reputações cultivadas. Ela nos derrotará e porá fim às nossas vidas egoístas. Só então poderemos elevar-nos em plenitude de vida para estabelecer um padrão de vida totalmente novo, livre e cheio de boas obras.


A modificada atitude para com a cruz que vemos na ortodoxia moderna prova, não que Deus mudou, nem que Cristo afrouxou a Sua exigência de que levemos a cruz; em vez disto, significa que o cristianismo corrente desviou-se dos padrões do Novo Testamento. Para tão longe nos desviamos que nada menos que uma nova reforma restabelecerá a cruz em seu lugar certo na teologia e na vida da igreja.

– A. W. Tozer, O Melhor de A.W. Tozer